Tanto por fazer e tempo de menos. Essa coisa de meia idade, é um prego, como diz o meu mano Carlão. Eu ainda não aprendi a lidar com isso. Na verdade, me recuso. É que minha mente, meu espírito, ainda está na casa dos 20 anos. O corpo, não. Já cobra a fatura dos excessos cometidos na juventude.
O Juninho? Imagine! Dirão os mais próximos. Pobrezinhos, mal sabem. Aqueles anos 80, 90, de tanto sonhos, que foram se perdendo, um a um, ao longo dos dias esquecidos, abandonados ao silêncio da eternidade. Bateram em retirada, saíram à francesa, constrangidos pela imposição das necessidades e das responsabilidades, que foram chegando, ocupando espaço em meio à uma vida volúvel, solta, sem compromisso nem objetivo, sem meta e rumo definidos, assim como a mente de um escritor que sempre fui, ainda que a maioria dos meus projetos, os melhores, terminaram sepultados na gaveta da realidade.
Hoje, ocupo-me da sobrevivência. Que mais posso fazer? Pertenço à ralé renegada dos insignificantes para a sociedade. Não reclamo. Foi daí que tirei a seiva que anima a vida dos meus personagens. Todos eles insignificantes como seu criador. Fracassados, sonhadores, indiferentes à realidade, cínicos e pessimistas, e, por vezes, insensíveis.
Vez por outra, ouço as músicas que me dizem alguma coisa, que rabiscam o meu coração e traçam linhas imaginárias em minha mente, que me levam a lugar nenhum.
Os hábitos se perderam todos. Passar a noite acordado, escrevendo, nunca mais. Dez horas, quando muito, cama. Leitura, só a indispensável. Filmes, os que estão em cartaz, na minha lembrança, os de sempre, cujas cenas, algumas, se repetem indefinidamente.
O escritor ficcionista (aquele que cria estórias), ele vive meio lá e meio cá, se me faço entendido, caro leitor, atenta leitora. E lhe causa certa agonia, o trabalho desagradável de ter que explicar o que escreve. Porque o bom escritor geralmente tem o hábito de dizer nas entrelinhas, de sugerir mais do que afirmar. Complicado? Hoje, sim. Ontem, não. Emburrecemos todos, acostumados indolentemente ao que degustamos com facilidade. Pobreza. Pobreza de espírito.
E assim vai escoando as horas desta manhã. Procuro com os olhos quem saberei não encontrar. Rima. Eu as detesto. Os versos livres, soltos, falam de tudo, penetram profundamente, na mente, e no coração de quem os lê, porque verdadeiros.
Sinto nesse instante, a necessidade de ler Herberto, deixar que ele penetre minha mente e meu coração com suas palavras loucas, e, por isso, verdadeiras.
As linhas retas da vida me incomodam. Amo as espirais. Todas as manhãs, sinto-me abraçado à solidão. E nela permaneço. Mereço. Nove horas. O café já esfria na garrafa. O maço tentador de cigarros, permanece esquecido na gaveta. Sobre a mesa da cozinha, papel e lápis, à espera inútil, de quem não virá.
E passarão as horas desta terça-feira, 21, como outra qualquer. Renegadas ao esquecimento. Clube, jornal à tarde, rádio mais à noite. E entrementes, caminhando pelas calçadas irregulares e atravessando as ruas esburacadas de Rio Claro, desviando dos carros e das motocicletas loucas. Atravessando o Jardim Público e a Praça da Liberdade, em meio à miséria, a sujeira, os pombos famintos, as almas perdidas, sob os olhares penetrantes de Siqueira Campos, Alfredo Ellis, o Barão do Rio Branco, e de Bilac naquele pedestal soberbo, eternizados todos na frieza do mármore.
E antes de sentar-me diante do computador, na redação do centenário Diário, para escrever sobre esportes, esquecendo da vida, passo e me perco por alguns minutos, na bela e imponente Igreja Matriz do João, portas abertas, ajoelho-me no madeiro duro e desconfortável ao pé do banco, e não encontro motivo para pedir por nada, absolutamente nada. Por um motivo. Aquele que me trouxe até aqui, sabe das minhas necessidades. A ele, agradeço, por tudo. E quando tudo terminar, irei me despir dessas vestes, e retomarei o meu nome e a minha história. E sem olhar para trás, resignado e decidido, seguirei em frente, em busca do que perdi.
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