O presidente Jair Bolsonaro tem muitos defeitos, não perde oportunidades de perder oportunidades, lidera um Governo tão completo que cuida até de fazer oposição a si mesmo.
É correto criticar Bolsonaro (e o Governo) por suas inúmeras falhas. Mas, se há tantas falhas, por que não criticá-lo por elas? É incorreto, e desnecessário, o esforço para criar falhas e então atacá-lo. A viagem a Israel foi um bom exemplo. A imprensa, maciçamente, diz que ao abrir um escritório comercial em Jerusalém, quando havia prometido para lá transferir a Embaixada, desagradou a todos: aos árabes, contrários à qualquer iniciativa que envolva Jerusalém, e a Israel, decepcionado com o adiamento da transferência.
Estranho, não? Considerando-se que a ideia do escritório nasceu numa conversa de Bolsonaro com o embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelly, em novembro, e que até as pedras de Jerusalém sabiam que era o que aconteceria, houve mesmo decepção? A propósito, a República Tcheca fez a mesma coisa: primeiro o escritório, a Embaixada irá mais tarde. E ninguém ficou decepcionado nem fez mimimi por isso.
O ministro Sérgio Moro também tem defeitos a criticar. Mas agora vem sendo atacado, via Internet, por não conseguir pronunciar direito a palavra “cônjuge” (ele diz “conge”). Isso é prova, segundo os críticos, de que ele não entende nada de Direito e mesmo assim se atreveu a condenar Lula à prisão – justo Lula, “o maior presidente” que tivemos. Lula dizia “menas”. E daí?
Pensando no passado
Bolsonaro, além de não perder oportunidades de perder oportunidades, não perde a oportunidade de entrar em brigas sem sentido. Começou com a ênfase à comemoração do 31 de março: há anos as Forças Armadas fazem suas cerimônias, tudo bem, mas ele quis mudar. Resultado: abriu a porta para a contestação do que houve há 65 anos.
E, buscando novas brigas, resolveu seguir a cabeça de seu chanceler e afirmar, logo em Israel, que o nazismo é uma ideologia de esquerda. O Yad Vashem, o comovente memorial do Holocausto, centro de estudos sobre o antissemitismo, diz que o nazismo é de extrema direita.
É discussão sem sentido: o nazismo, derrotado há 75 anos, é o mal absoluto – e essa convicção só não é partilhada por algumas pessoas nocivas. E que vantagem Bolsonaro pode obter no debate? Demonizar a esquerda? Não dá: de Pol Pot a Mao, a esquerda criou seus próprios monstros. Não precisa de outros, pois já tem seus pecados a expiar.
Paz…
Bolsonaro chega e, conforme combinou, deve se encontrar já amanhã com o pessoal do Centrão e do PMDB – são 166 deputados e 35 senadores. Seus partidos são conhecidos pela flexibilidade de negociação: rendem-se com facilidade a bons, sólidos, múltiplos argumentos. Como dizem, não se opõem a trabalhar com o Governo, dividindo os ônus da aprovação da reforma da Previdência; mas querem também os bônus, ou seja, ocupar bons cargos.
O caroço da conversa é esse: o que entendem por bons cargos. Há definições já sacramentadas, como a do deputado que disse que na Petrobras queria cargos daqueles de furar poços. Bolsonaro terá de convencê-los a apontar nomes competentes e honrados para que possam ter uma participação no Governo.
…e guerra
Há hoje boas possibilidades de aprovação da reforma, apesar do lobby de servidores públicos, da pressão sindical e das propostas de afrouxamento do rigor da nova lei. Mas com Bolsonaro nunca se sabe: ele a qualquer minuto pode iniciar uma discussão, com direito a insultos em redes sociais, sobre as reais causas do início da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Culpa, é claro, do Kaiser da Alemanha e do Imperador da Áustria, notórios esquerdistas.
Então, tá
O empresário bolsonarista Osmar Stabile informou ao Congresso em Foco, importante portal de Brasília, que foi o responsável pelo vídeo de apoio ao golpe e ao regime militar divulgado no dia 31. Disse que fez o vídeo por sua iniciativa, com seu dinheiro. Certo: só resta descobrir como o vídeo foi distribuído pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República.
Brasil inzoneiro
Reforma da Previdência, tudo bem. Mas será obedecida? Porque a lei do teto salarial para servidores públicos não chega a ser rigidamente aplicada. O ótimo portal jurídico gaúcho Espaço Vital (www.espacovital.com.br) traz duas notícias interessantíssimas – a fonte é oficial, é tudo documentado. Um analista judiciário do Tribunal de Justiça do Pará pediu aposentadoria e receberá R$ 56 mil mensais. O salário máximo de servidor é R$ 39.200,00. Detalhe: o salário dele é de R$ 6 mil.
Os R$ 50 mil a mais são gratificação e adicionais. No outro caso, o aposentado pelo Tribunal de Justiça da Bahia ganha menos que os ministros do Supremo: só R$ 24.700,00 mensais. Era motorista, com salário de R$ 5.600,00. O restante engloba as vantagens pessoais, o abono permanente e a reposição de adicionais. Tudo explicado?
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