Ando pelas calçadinhas portuguesas das ruas de minha Cidade Azul – ainda doce, apesar da violência – e, ao respirar, já posso sentir a nova estação que se aproxima.
As árvores e arbustos ganham roupagem de festa e, aos poucos, vão mudando suas cores, forradas pelas primeiras flores: um prenúncio da primavera, que traz em sua bagagem a paleta de cores de Van Gogh.
As flores saltam pela moldura do céu sempre anil, compondo pinturas inéditas, que se recriam em todas as primaveras, como se o pintor holandês tivesse se abancado nestas paragens com seu cavalete, telas e paletas multicores.
Não fosse o aroma de dama da noite, flor de laranjeira, rosas e outras tantas flores que embelezam nossa cidade, diria estar sonhando, tal a riqueza que tenho o privilégio de apreciar.
Mas sei que não é sonho. Estão ali, na Avenida 40, próximas ao Lago Azul. E em tantos outros recantos, os ipês, que não me deixam mentir, surpreendendo com suas flores amarelas, brancas ou rosa, alargando a vista e o coração.
Um dia, quando ainda jovem, li uma frase que levei como meta para minha vida: “quero uma casa rodeada de flores por fora e recheada de livros por dentro”. Desde então, não parei mais de comprar livros e flores.
Livros, tive aos montes. Inicialmente, emprestava das bibliotecas e dos amigos, até que pude adquirir minha primeira coleção, do renomado escritor baiano Jorge Amado. Meu sonho era conhecê-lo pessoalmente e, assim, apreciar as praias e roças de cacau que predominam em seus livros. O escritor se foi, mas deixou em meu sangue e em minha alma, a poesia de suas obras e a magia da Bahia.
Cheguei a ter quatro estantes enormes, abarrotadas de livros, os quais, mais tarde, passei a comprar em livrarias virtuais. E assim minha casa foi florescendo por dentro, numa eterna primavera. Até que entendi que não poderia deixar que essas flores murchassem dentro de casa. Depois de ler e reler cada obra, passei a doá-las às bibliotecas para que viessem a florir em outras almas.
Quanto às flores, é uma história mais complexa, pois sempre tive com elas uma relação divina. Pelas inúmeras casas que passei em minha vida cigana, sempre deixei como lembrança um canteiro de flores, até mesmo árvores. Muitas foram as mudas que plantei, buganvílias que se transformaram em árvores, e azaléias que cultivei, dentre outras tantas flores, até chegar ao cultivo de orquídeas, que hoje é meu hobby predileto.
Ainda me lembro com carinho da honra que tive no ano 2000, ao ser convidada para plantar uma árvore no Horto Florestal Navarro de Andrade, hoje Floresta Estadual. A iniciativa da Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo, em parceria com a Prefeitura local, homenageou 30 ou 40 mulheres rio-clarenses com a implantação do Bosque da Mulher, próximo ao casarão onde funcionava a sede do Horto.
Não sei se a sede ainda existe, mas, por certo, a árvore está lá, firme e forte, florindo na primavera em sintonia com a beleza natural de um dos mais belos cartões de visita da cidade. Sem dúvida, assinado por Van Gogh…
Por Nilce F. Bueno
Nilce, você escreve com a suavidade da alma, não com papel e tinta concretos.
Obrigado, Maria Tereza: a vida nos endurece, mas a alma não se entrega…