Aprendemos a amar com os filmes. Desde criança, muitas meninas, e meninos também, são expostos a animações e histórias que contam o quanto a garota que era comum viveu feliz para sempre depois que um príncipe veio resgatá-la de uma vida de infortúnios.
Mais tarde, dos contos de fadas migramos para os filmes, comédias românticas e até mesmo alguns dramas, que retratam que sexo e amor andam juntos. Queira ou não, a gente sempre acaba construindo um amor ideal, e acaba achando que ele existe e tudo mais.
Mas, como a realidade é sempre mais complexa que o sonho, nem sempre, ou melhor, quase nunca amor e sexo andam de mãos dadas. Mas isso não é ruim, ou não.
Em um de seus mais belos artigos, o saudoso psicanalista Flavio Gikovate (1943-2016) afirma que muitas vezes o amor adulto é igual ao infantil. “Aprendemos que sexo e amor são componentes de um mesmo instinto. Não penso assim. O amor corresponde à agradável sensação de aconchego que sentimos quando próximos de uma criatura especial”, ressalta o psicanalista.
“É exatamente o que sente a criança no colo da mãe, nosso primeiro objeto do amor: a dor derivada da sensação de desamparo e de incompletude que todos sentimos desde o momento do nascimento se atenua nestes momentos de reencontro. Isto nos dá prazer. O amor adulto é idêntico ao infantil”, acrescenta.
Mas, e o sexo? Esse, tão reprimido em eras passadas, tão tabu ainda hoje para muita gente, nem sempre está associado ao amor, justamente por ser mais físico, menos abstrato. A agradável sensação de excitação que deriva da estimulação de certas partes do nosso corpo tem a difícil missão de, por meio do pensamento racional, se sintonizar ao amor.
Então dá pra dizer que amor é mais espiritual, sexo é mais fisiológico, certo? E o que mais pega nessa história toda é que o desejo sexual é dirigido para, muitas pessoas. Já o amor é dirigido a uma criatura única e especial.
Talvez por isso preferimos o sexo com alguém que amamos, pois depois poderemos nos abraçar e nos aconchegar para atenuar a solidão que acompanha o prazer sexual máximo. Para a também psicanalista, especialíssima no assunto, Regina Navarro Lins, “acreditar que é possível controlar o desejo de alguém é apenas uma das mentiras do amor romântico. É comum alimentar a fantasia de que só controlando o outro há a garantia de não ser abandonado”, afirma, e provoca, a psicanalista.
O amor é uma construção social; em cada época se apresenta de uma forma. O amor romântico, que só entrou no casamento a partir do século 20, e pelo qual a maioria de homens e mulheres do Ocidente tanto anseia, não é construído na relação com a pessoa real, que está ao lado, e sim com a que se inventa de acordo com as próprias necessidades.
Esse tipo de amor é calcado na idealização do outro e prega a fusão total entre os amantes, com a ideia de que os dois se transformarão num só. Contém a ideia de que os amados se completam nada mais lhes faltando; que o amado é a única fonte de interesse do outro, é por isso que muitos abandonam os amigos quando começam a namorar.
Vivemos uma era do “Eu”, e essa busca pela individualidade tem mostrado homens e mulheres se aventurando como nunca e com coragem em busca de novas descobertas.
Reprimir os verdadeiros desejos não significa eliminá-los”. As palavras do psicanalista austríaco. Wilhelm Reich podem ser uma nítida prova de que todos deveriam saber que o desejo sexual por outras pessoas constitui parte natural da pulsão sexual.
Homens e mulheres só deveriam se preocupar em responder a duas perguntas: Sinto-me amado? Sinto-me desejado? Se a resposta for “sim” para as duas, o que o outro faz quando não está comigo não me diz respeito”, diz. Impossível, não é? Mas talvez erre demais quem deseja o ideal de que a vida seja fácil.
Doce ilusão. Vale a lembrança de Arnaldo Jabor, só para refletir: “Certos amores nem precisam de parceiro; florescem até mais sozinhos, na solidão e na loucura. Sexo, não – é mais realista. Nesse sentido, amor é uma busca de ilusão. Sexo é uma bruta vontade de verdade. O amor vem de dentro, o sexo vem de fora, o amor vem de nós e demora. O sexo vem dos outros e vai embora. Amor é bossa nova; sexo é carnaval.”