Estou me deliciando com a leitura do livro de memórias do saudoso Midiel Christofoletti, que ganhei de presente de meu grande amigo e fiel leitor o Dr. Arízio Gabriel. Seu Arízio, como costumamos chamá-lo, e ele nos concede gentilmente a intimidade, é daquelas figuras ímpares da cidade de Rio Claro. Bastante conhecido e respeitado, além da advocacia exerce a contabilidade há muitos anos, mantendo em atividade seu escritório ali na avenida 12, com ruas 12 e 13, no Alto da Santa Cruz. Vez por outra, nos damos o direito de uma gostosa confabulação, sentados à mesa do Bar do Bolinha, que sempre nos atende muito bem. Eu mais ouço do que falo. E assim, aprendo muito mais. É preciso saber assimilar em proveito próprio a experiência daqueles que aportaram neste mundo de lutas antes de nós. Aprendi isso com meu pai.
Mas o Midiel, a que me refiro, fora exímio cronista, que durante muitos anos brindou com sua admirável e regular coluna, os leitores deste nosso indispensável jornal Diário do Rio Claro, contribuindo para justificar o slogan que marca a existência centenária e altaneira do matutino: “o arquivo histórico da família rioclarense”.
Dono de um texto limpo, gracioso e interessante, Midiel sabia cativar seus leitores, com histórias sobre a nossa querida Rio Claro e sua gente. E também sobre si próprio. Não o conheci pessoalmente, apenas o seu irmão, Arnaldo, que durante muitos anos, fora arrendatário do bar social do Grêmio Recreativo da Cia Paulista e da Sociedade Veteranos de Rio Claro, pessoa muito digna, muito correta e de uma tremenda capacidade para fazer contas, de cabeça, ou como diriam os comerciantes das antigas, na ponta do lápis.
Outro que tinha essa mesma habilidade, tão rara nos dias de hoje, era o Seu Nilson Hebling, proprietário do Armazém Santa Cruz. Igualmente saudoso.
Vejam como a vida nos surpreende. Quando nasci, moravam meus familiares, na Vila Americanópolis, conhecida então, como Barro Preto. Depois, na minha infância, vivi no bairro São Judas Tadeu, período mais importante, mais bonito, inesquecível e decisivo para formação do caráter, do menino introspectivo, muito na dele, desconfiado de tudo e de todos, e com certo ranço de rebeldia inata, presente até hoje; menino que eu era, e, na verdade, ainda sou, apesar da maturidade que vem nos impor a máscara necessária à sobrevivência em um mundo hostil como este.
Já faz algum tempo, moro no bairro Santa Cruz, pelo qual me apaixonei. Apesar desse trânsito caótico da avenida 8. É o bairro onde também morava o cronista Midiel Christofoletti. Tenho em mãos e, confesso, tornou-se meu livro de cabeceira, nos últimos dias, o livro com algumas das crônicas de sua autoria, reunidas com esmero e carinho por suas filhas Fátima, Marina e Flávia e publicado em 2017.
Em uma sociedade onde as crianças não aprendem nas escolas quase nada sobre a cidade onde moram e sua gente, é importante tomar conhecimento através de um livro interessante como este, de informações sobre pessoas, lugares e acontecimentos do passado de nossa terra, de nossa gente, que muitos preferem ignorar deliberadamente, inclusive autoridades, educadores e homens públicos.
Tenho passado minutos agradáveis com a leitura desse livro. Digo minutos, porque a diabetes tornou a vista fraca e não consigo me dedicar a leitura horas a fio como fazia gostosamente até algum tempo atrás. São limitações que o tempo nos impõe. Por hora, ainda dá para escrever um pouco. Projetos se perdem no fundo das gavetas, nos pen drives, perdidos por aí, sei lá onde, e na memória, que ultimamente, insisti em me trair.
Dizem que a leitura é um excelente preventivo contra a demência. Ótimo. Muito bom. Sobre o que estávamos falando mesmo? …
Ah, sim! Pois é, eu ia dizer que, gostei muito de ler o artigo do Mário Mariones publicado no último dia 22, aqui na página 2, neste jornal Diário, no qual o Mariones fala sobre o centenário do escritor Jack Kerouac, o sujeito para o qual, escrever bem, viver intensamente e morrer feliz eram seus principais objetivos.
Eu mesmo já escrevi sobre o finado Jack. Porque em algum momento da vida, antes da lucidez que o tempo nos causa, acalentei os mesmos objetivos. Hoje, só me ocupo de minha sobrevivência. É um modo mais modesto, digamos assim, embora mais realista de levar a vida. À medida que o tempo passa, ou que passamos pelo tempo, como sugere, o benfeitor Emmanuel, os sonhos vão desocupando espaço em nossas mentes e em nossos corações. Vamos aprendendo a nos contentarmos com pouca coisa.
Outro escritor, muito interessante, e muito verdadeiro, Ernest Hemingway, disse, certa vez, em outras palavras, que o mundo e a vida dobra e quebra os mais fracos, e os derrota, e os mata, sem nenhuma clemência ou piedade.
Então, segundo o tio Ernie, que é a maneira íntima como me refiro ao meu amiguinho umbralino Hemingway, só os fortes sobrevivem, ainda que muito machucados.
Penso em todas essas coisas, enquanto, deixo momentaneamente de lado, a leitura do apreciável livro do Sr. Midiel, para dedicar-me ao meu momento de realeza matinal, torcendo muito para que meu velho e bom amigo, o Sr. Intestino, seja bonzinho, ao menos dessa vez e funcione. Antes que eu termine como Elvis Presley, sentado no trono.
Eis a vida. Por alguns momentos, ela nos permite nos dedicarmos a amenidades, amém!
Por Geraldo José Costa Jr. / Foto: Divulgação