É preciso reconhecer que nunca nos acostumaremos com a ideia do nosso fim.
“O homem é um cadáver adiado”, bem disse Fernando Pessoa. Falar sobre a morte é, em pleno século 21, quase um tabu. O medo percorre a espinha e boa parte do que fazemos e somos vem dessa angústia primitiva, de saber que um dia nossa consciência possa se extinguir.
Falsamente, parece não haver tempo para se pensar sobre o assunto e essas questões ficam sempre suspensas, relegadas a um canto escuro de nossa mente.
E, à parte isso, uma sensação de aceleração do tempo que parece cada vez maior. Os dias parecem passar mais rápido que antigamente.
Tanta tecnologia, ainda não sabemos como evitar as fortes tempestades. Tanta discussão em torno da produção dos biocombustíveis sem antes resolvermos o problema da fome no mundo.
Cada vez mais e mais áreas destinadas ao plantio de cana, soja, milho e outros produtos para alimentar tanques de carros e caminhões mundo afora. Ainda que milhões de bocas clamem por um pedaço de pão.
Tanta ciência e não damos conta do número de casos de depressão.
Tanto avanço da medicina, que aumenta a expectativa de vida das pessoas, e milhões de pessoas agonizando nas filas dos serviços públicos de saúde.
Carros tão bonitos e velozes pelas ruas, e outra parte do mundo aconselhando o uso de transportes alternativos. A quem ouvir? Ao mercado ou à Ciência, que em termos gerais vive de se refutar e seus pares demostram pífia habilidade em dialogar com os governantes.
Há ainda a internet, que aproxima as pessoas virtualmente na mesma medida em que as afasta no mundo real.
Maravilhas da comunicação surgidas nos últimos 20 anos não dão conta do afastamento a que nos obrigamos de quem gostamos por conta do trabalho e de uma busca insana por algo tão subjetivo, o tal conforto. Outras maravilhas vão surgir com a promessa de nos aproximar e não daremos conta de cuidarmos uns dos outros.
Há pouca paciência no ar. Quantas vezes nos flagramos desviando de calçada apenas para não cumprimentar determinada pessoa por saber que ela vair querer conversar um pouquinho. Alimentamos um mito de que vivemos sem tempo, e por trás disso nos escondemos dos outros até o dia em que precisamos de alguém.
Vive-se sempre na perspecitiva de que a verdadeira felicidade ainda está por vir, com o carro novo, a casa desnecessariamente maior, o dinheiro que um dia se vai ganhar, entre outras coisas.
Autoengano o pensamento predominante de que passamos a existir de fato e de direito nas coisas que possuímos.
A angústia que as gerações passadas pouco entendem ao ver os jovens de hoje, é que acabaram-se as certezas, não há mais ideologias. E a televisão entrega todos os dias empacotado em nossas casas um misto de diversão e morbidez. Não há nada que não possa ser loteado, empacotado, vendido.
Por isso, enquanto há tempo, temos de olhar as pequenas coisas. Encontrar velhos amigos, viver a boa vida, aquela que independe da condição social. Parar mais vezes nas praças, contemplar mais a cidade, caminhar mais e desacelerar. Ainda que o mundo tente dizer o contrário.
Trabalho é apenas um aspecto da vida, é tão somente um dos milhares de papeis sociais que representamos nesse teatro chamado vida. Fazer a perigosa pergunta sobre o que nos angustia e ir em direção a ela é necessário. Pois para se curar uma ferida é preciso tratá-la. E o tratamento dói. Mas, depois, sara.
Porque nada parece ser pior que uma vida mal vivida e uma velhice de arrependimentos.