“Senti em um momento que estava indo embora. Minha respiração curta e dificílima e eu já tinha me conformado ali que estava partindo. Inclusive escutei frases ditas por alguns ao redor nesse momento, nesse sentido também”, esse é o relato de um dos momentos de quem esteve intubado por 30 dias. “A intubação é terrível pelo fato de que somos induzidos não ao sono, mas a um bloqueio neuromuscular, então vivenciamos muita coisa no nosso subconsciente, misturando realidade e ilusão. E depois de tantos dias, a fraqueza que o corpo apresenta é absurda”, relato de quem lutou contra a Covid-19 e venceu a doença. Mas foram dias intermináveis, intubado, sedado, sem saber se sobreviveria mas ele conseguiu vencer. “Não consegui desistir ali, lutei e coloquei como se fosse um ‘vômito’ tudo para fora e me senti renovado. Vida nova. Respirando normal”, relembra o narrador esportivo e professor Léo Mendes de 34 anos. “Em outro momento de sedação, o mundo se reduziu a escombros ao meu lado e eu não conseguia fazer mais nada, quando minha mãe (falecida em março do ano passado, não foi de Covid) apareceu cantando para mim e tudo se restaurou”, relembra a força.
OS SINTOMAS
Léo Mendes apresentou o primeiro sintoma (febre) no dia 05 de outubro de 2020 (uma segunda-feira), que perdurou por alguns dias. Ela chegou a cessar entre a tarde de quinta e o sábado, porém retornou acompanhada de outros sintomas, como fadiga e diarreia. “Nos dias 6 e 11, compareci duas vezes ao Hospital de Campanha, lá na UPA Cervezão, e foram receitados alguns medicamentos, porém, no segundo comparecimento meu pulmão já apresentava início de pneumonia”, conta.
A INTERNAÇÃO
Na terça (13) e quinta (15), Léo conta que passou mal duas vezes, quando ao andar certa distância, os sentidos começavam a sumir, sendo que, teve que se esforçar para evitar um desmaio. “Na própria quinta à tarde, procurei a UPA novamente com o intuito de me internar, o que aconteceu, pois mal conseguia andar 30 metros. De início, minha saturação estava muito baixa, com 83% (normal entre 95 e 100), e um comprometimento pulmonar de quase 75%. No dia seguinte (16), saí da ventilação por máscara para a intubação. Fui avisado inclusive que precisaria ser sedado e passar por isso”, diz.
A LUTA
Foram 31 dias nessa condição, sendo que três na UPA e os demais na Santa Casa de Misericórdia, para onde foi transferido no dia 20 de outubro. A situação era considerada muito complicada de ser revertida. “Tive duas intercorrências mais sérias no período, quando meu quadro foi considerado gravíssimo, já que, eu não conseguia reagir à diminuição da sedação, e meu pulmão havia desenvolvido pneumonia bacteriana. Chegaram a considerar meu quadro muito difícil de ser revertido, pois os exames não ajudavam, além da minha não reação”, relata.
E foi apenas um mês após sua internação, no dia 16 de novembro, na terceira tentativa de diminuir os sedativos, finalmente ele reagiu e conseguiu acordar. “Os últimos 10 dias de sedação, já estava respirando mecanicamente via traqueostomia, pois há um tempo limite de 21 dias para se usar o tubo em um paciente com ventilação invasiva. Depois disso, foram mais 21 dias de internação, sob cuidados intensivos, até a alta.”
ALTA HOSPITALAR
E finalmente chegou o momento que todos mais esperavam, a voltar para casa que ocorreu no dia 9 de dezembro. Porém a luta não ficou no hospital, começaria aí mais uma caminhada para estabilizar a saúde. Além das complicações Léo passou de 88 para 54 quilos. “Após a alta, voltei acamado, com movimentos muito limitados, grande perda muscular e 34 quilos mais magro, além de uma ferida na região sacral devido ao longo período deitado na mesma posição. Tomei um mês de medicamento anticoagulante, para evitar possibilidade de tromboembolismo. Já recuperei quase 20 quilos desde então, além de massa muscular, mas ainda falta recuperar mais”, observa.
SEQUELAS E TRATAMENTO PÓS-COVID
Desde então, ele passou por sessões diárias de fisioterapia, além de acompanhamento domiciliar de fonoaudiologia, psicologia e exames de rotina para acompanhar os demais órgãos do corpo, além de consultas periódicas com neurologista, pneumologista, cardiologista e fisiatra. “Até o momento, de todos os atendimentos, já tive alta da fonoaudiologia, da psicologia e do atendimento domiciliar, já que, meus exames apontam o organismo ok! Sigo sendo acompanhado pelo pneumologista, inclusive estou na última semana tomando corticoides, que possibilitam a regeneração de cicatrizes no pulmão, além do fisiatra, que acompanha a evolução do meu nervo afetado, e do cardiologista em uma questão que não tem relação com o vírus.”
A VITÓRIA
Cada dia é considerado como uma vitória, hoje a saturação fica entre 96 e 98%, Léo está desde fevereiro livre do oxigênio suplementar, que precisou usar após a alta. Ele conta que não sente falta de ar de forma alguma, poucas dores, e segue fazendo apenas fisioterapia, pois o único problema que ficou foi a lesão no nervo fibular, que o impede de fazer o movimento de fechar joelho e agachamento normal, por isso a fisioterapia ainda permanece. É uma lesão que naturalmente demora um pouco mais, como relata. “Estou andando desde 14 de fevereiro, e sem apoio de andador ou muletas desde o começo de maio. Voltei a fazer quase tudo. No início precisava que me dessem banho, hoje já voltei a fazer isso de forma normal, independente, bem como, as atividades comuns do dia a dia como cozinhar, trocar de roupa, etc, o que ainda não consigo, devido ao nervo, é dirigir um carro, amarrar um tênis e abaixar para pegar algo no chão. De resto, vida normal”, comemora.
O APOIO
Léo Mendes ressalta que um conjunto de fatores foi fundamental para a superação, ele destaca como o apoio das pessoas é importante para quem encara a doença. “Lembrando sempre o apoio que minha esposa, meus familiares e amigos sempre emanaram durante o período de internação. Isso me deu uma força incrível. Orações, fé. Foi fantástico. O cuidado, o profissionalismo e o carinho dos profissionais de saúde foi algo fora do comum também, foi incrível, trabalho fantástico”, agradece.
ALERTA
Léo destaca que mesmo tomando todos os cuidados acabou sendo contaminado. “Saía de casa apenas por necessidade, seja a trabalho ou realizar compras, por exemplo. Com relação ao trabalho, eu lecionava de forma online ao longo da semana e eventualmente para narrar jogos de futebol, quando escalado. Os sintomas de Covid começaram em meu pai na mesma data que os meus, no dia 5. Tínhamos ido juntos ao supermercado cerca de 5 a 7 dias antes. Tínhamos o costume de higienizar todos os itens que vinham do externo, incluindo supermercados. Talvez algum momento de desatenção lá no recinto tenha desencadeado a contaminação”, observa.
FUTURO
Após todos esses meses de enfrentamento à doença o narrador esportivo observa aprendizados que vai levar para sempre. “Aprendi a ser mais tolerante, a ter mais paciência, digamos assim, claro que fica um impacto psicológico grande também, gera uma ansiedade, mas isso vai diminuindo com o tempo. No final, o sentimento de vitória e de fé renovada prevalece, e isso ensina muito em muitas questões simples.”
E daqui para frente, tem um propósito que ele revela: “ainda pretendo escrever um livro sobre aquilo que minha mente produziu e acompanhou durante a sedação”.
Por Janaina Moro / Foto: Divulgação