Os olhos brilham quando o assunto é jornais e livros. Maurício Beraldo tem 64 anos, é rio-clarense e até meados de 2017 publicou o jornal Aquarius, um informativo cultural que primava pela boa notícia e destacava temas relevantes para a sociedade humana, como meio ambiente e mobilidade urbana.
Contava com uma equipe de colaboradores fiéis que produziam conteúdos interessantes para a publicação, muito bem aceita pelo público leitor rio-clarense e que tinha edição mensal e tiragem de aproximadamente 2000 exemplares.
Mas era Maurício Beraldo quem editava o jornal. Selecionava assuntos e textos, escolhia fotos e ilustrações, definia a capa e o tema de cada edição e brigava com as gráficas para que a qualidade da impressão fosse a melhor possível. Isso, naturalmente, lhe custou noites sem dormir e a indisposição com alguns profissionais do ramo gráfico.
Era também Maurício que vendia toda a publicidade de cada edição do jornal Aquarius. Havia os fiéis anunciantes e os anunciantes eventuais. Ou seja, não seria exagero dizer que, o jornal Aquarius, surgido de um folheto impresso em mimeógrafo e publicado pelo próprio Maurício com o nome de “Equilíbrio”, era o “exército de um homem só”.
Muitas batalhas foram ganhas em nome da cultura e de um ideal de vida. Até que a realidade se impôs e o cansaço, muito comum, daqueles que lutam de cara para o vento e além de suas forças, acabou por convencer Maurício Beraldo de que era hora de parar.
Em dezembro de 2017 saiu a última edição do Jornal Aquarius que, verdade seja dita, era jornal apenas no nome. Porque tinha formato e conteúdo que mais se assemelhava a uma revista e até o papel no qual era impresso não era papel de jornal, era mais sofisticado.
A história de Maurício Beraldo com a cultura e a imprensa começa lá atrás, quando o menino inteligente, curioso e perspicaz, filho de um comerciante, ganhou o concurso de redação da escola e, como prêmio, uma coleção de livros que ficou exposta inclusive no balcão do comércio do pai, para que os clientes e amigos apreciassem o êxito do garoto precoce.
Mas a vida nem sempre traça os caminhos pretendidos e imaginados. E Maurício, com a morte do pai, logo precisou ganhar a vida da maneira que todos devem fazê-lo: trabalhando.
E lá foi ele, com sua bicicleta emprestada, trabalhar como entregar de jornais neste Diário do Rio Claro no início dos anos 1970. Um fato inusitado, porém, marcaria a vida do menino Maurício.
Era uma manhã de chuva torrencial em Rio Claro. E Maurício havia saído com a bicicleta para atender a um cliente que solicitava a entrega do jornal. Nas proximidades do bairro Copacabana desabou um temporal e para se abrigar da chuva forte, Maurício escondeu-se na cobertura do portão da Avenida 19 do estádio Benitão. Mas, devido à chuva intensa, o muro ao lado cedeu e caiu sobre Maurício e a bicicleta. Ele quase não se machucou, mas a bicicleta…
Passado muito tempo, Maurício se lembra do fato com algum saudosismo. Não exatamente pelo fato em si, mas pela época em que o mesmo se deu: a adolescência, época dos sonhos e da esperança.
A imprensa e mais exatamente o jornal voltariam a cruzar o caminho de Maurício, quando ele, então com 29 anos, atendeu a um anúncio de um jornal que oferecia oportunidade de um teste na redação para jovens que gostassem de escrever.
E lá se foi Maurício para uma experiência curta, embora enriquecedora, quando conheceu todo o processo de produção de um jornal. Era final dos anos 1980 e início dos anos 1990. E coisas como past up e composição ainda estavam em evidência. Assim como máquina de escrever e lauda.
Maurício se recorda de uma brincadeira feita pelo jornalista esportivo do referido jornal, o Ivan Lopes, que escreveu uma crônica de teor policial, à lá Gil Gomes, onde toda a equipe de redação ganhava codinomes para narrar um caso rumoroso envolvendo um figurão do banditismo local.
A permanência na redação durou pouco, mas foi interessante e enriquecedora. Algo semelhante e tão ou mais importante foi quando a convite do tio, visitou o jornal O Estado de S. Paulo aonde o tio trabalhava.
Escrever e publicar é o sangue que circula nas veias de Maurício Beraldo. Atualmente, ele trabalha como motorista free lancer durante o dia, revivendo, de certa forma, o tempo em que fora motorista particular do saudoso cineasta rio-clarense Roberto Palmari e dirigia com todo cuidado pelas ruas apertadas de Rio Claro, o enorme, belo e imponente Galaxie da família.
O sujeito culto, bom escritor e sempre interessado em adquirir e disseminar conhecimento também trabalhou na juventude como guarda de carro-forte, época em que conheceu o grande amor de sua vida, hoje apenas uma saudade.
À noite, Maurício ocupa-se da leitura de livros, os quais retira nas bibliotecas públicas de Rio Claro nas quais pode ser visto habitualmente conversar com os sempre simpáticos atendentes. Dono de uma conversa agradável, fala sempre com entusiasmo dos livros e autores dos quais está se ocupando no momento.
Entre lembranças e expectativas, passa algumas noites acordado na companhia dos livros e do seu gato sem nome. Quando indagado se pretende voltar com a publicação do Jornal Aquarius ou alguma novidade nesse gênero, desconversa.
Percebe-se uma certa mágoa, uma certa inquietação contida, de quem nunca teve o apoio e o reconhecimento que merecia por seu trabalho em favor da cultura local. Em se tratando de Rio Claro, isso não é novidade.
Por Geraldo Costa Jr. / Foto: Geraldo Costa Jr./DRC.