Mauricio Zottarelli é outro exemplo de rio-clarense que eleva o nome da Cidade Azul ao mais alto patamar artístico e cultural.
Detentor de um talento singular, Zottarelli é baterista e vive nos Estados Unidos há muitos anos. Filho do ilustre professor Aldo Zottarelli, um dos mais notáveis educadores, comunicadores, empreendedores e visionários que Rio Claro já viu, o músico, assim como a maioria dos grandes nomes que fez história, se atentou à musicalidade já muito cedo. Sempre incentivado pelos pais, seria pouco provável que não se notabilizasse, haja vista sua admirável aptidão, sensibilidade e compromisso com a arte.
Mauricio Zottarelli, diretamente de Nova Iorque, onde reside, falou à reportagem do Diário do Rio Claro acerca de como tudo começou e de que forma tudo se consolidou tendo em vista sua extraordinária carreira, além de ter feito menção a seus inúmeros projetos. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
DIÁRIO – Mauricio, por favor, gostaria que relatasse o seu início. Como e quando se deu conta do seu talento para a música?
Mauricio Zottarelli – Eu acredito que sempre toquei, desde muito pequeno. Meus pais sempre disseram que eu vivia batucando em qualquer lugar que produzisse som. Eu sempre gostei muito de música e, com bastante estímulo da família, esse meu caminho acabou sendo muito natural. Tenho muitas lembranças de tocar nos sofás, mesas, cadeiras e com toda e qualquer coisa da cozinha lá de casa. Não ficava nada por inteiro. Eu destruí muita coisa!
DIÁRIO – A bateria surgiu em sua vida em que momento?
Mauricio Zottarelli – Quando eu estava na 8º série, durante um festival de música na escola, tivemos que montar uma banda para nos apresentarmos, e eu me ofereci para tocar bateria, mesmo sem saber muito bem como eu ia fazer, já que não tinha uma, e não possuía experiência alguma. Mas deu tudo certo, e foi super legal! Logo depois, consegui pegar uma gravação em vídeo do grupo tocando e levei para meu pai assistir com a finalidade de convencê-lo a me comprar uma bateria. E assim começou!
DIÁRIO – Quais são as suas influências? O Mestre Aldo Zottarelli, seu pai, aposto, foi também decisivo tendo em vista sua carreira…
Mauricio Zottarelli – Sim, sem dúvidas. Meu pai foi a minha primeira e mais forte influência. Ele tocava teclados e, desde o início, eu gostava de acompanhá-lo com instrumentos de percussão, normalmente um bongô. Chegamos a tocar em vários eventos pela cidade e ele sempre me dava uns toques de como ser um bom percussionista e como acompanhar outros músicos. À medida que fui me aperfeiçoando, e depois de ganhar minha primeira bateria, fui descobrindo diferentes estilos de música e vários bateristas que me inspiraram e inspiram muito até hoje.
Acho que a influência baterística mais forte para mim é o John Bonham, da banda Led Zeppelin. Mas há inúmeros outros bateras e músicos, brasileiros e estrangeiros, que me inspiram. Hoje em dia, procuro ouvir de tudo, conhecer e acompanhar os grandes mestres do instrumento na atualidade. A música e a bateria estão sempre evoluindo e temos que estar sempre acompanhando as mudanças para evoluirmos como artistas e instrumentistas.
DIÁRIO – E a partir de quando você passou a viver de música e pela música?
Mauricio Zottarelli – Após terminar a faculdade de Ciência da Computação, eu estava tocando em várias bandas em Rio Claro e região e, realmente, estava sentindo que o chamado para viver de música e tocar bateria o máximo de tempo possível era muito forte. Ao ganhar uma bolsa para cursar a Berklee College of Music, em Boston, Estados Unidos, e também durante o curso, ficou claro que a minha carreira seria mesmo na música.
DIÁRIO – A sua opção por fazer carreira nos Estados Unidos se deve mais ao âmbito estético, por você encontrar aí mais recursos, ou por você entender que no mercado artístico e fonográfico brasileiro não há espaço para o estilo musical que você desenvolve?
Mauricio Zottarelli – A minha carreira nos Estados Unidos aconteceu meio que naturalmente, após terminar a faculdade de música em Boston. Eu já tinha vários trabalhos acontecendo como músico de apoio e estava desenvolvendo um projeto autoral com meu grande amigo Gustavo Assis Brasil, que acabou virando o meu primeiro CD, em parceria com ele, chamado Dig Trio. Com o passar dos anos, fui ficando mais ocupado por aqui. Já são quase 20 anos de carreira nos Estados Unidos.
DIÁRIO – Quais são os projetos por você desenvolvidos em terras norte-americanas?
Mauricio Zottarelli – Tenho cinco álbuns autorais lançados: Dig Trio (2003), em parceria com o guitarrista Gustavo Assis Brasil; 7 Lives (2009), que foi meu primeiro álbum solo, com vários músicos convidados; MOZIK (2011), em parceria com o pianista Gilson Schachnik; Glasses, No Glasses (2014), em parceria com a baixista Amanda Ruzza; e Upside Down Looking Up (2017), meu mais recente álbum solo, que conta com dez excelentes artistas convidados. Como músico de apoio, já participei de cerca de 100 álbuns e faço parte de vários grupos em Nova Iorque, com apresentações locais e em turnês.
Além dos trabalhos citados acima, alguns outros artistas com quem tenho me apresentado recentemente são Toquinho (em turnês na Europa); Christos Rafalides (vibrafonista da Grécia, que vive em Nova Iorque); Eddie Daniels (um lindo projeto chamado “Heart of Brazil”, com músicas de Egberto Gismonti interpretadas pelo lendário clarinetista/saxofonista, banda e quarteto de cordas); Cristina Pato (fantástica artista da Galícia, Espanha, que toca gaita de fole e piano); Steve Sandberg (um projeto que combina world music, música clássica e jazz); Matt King (projeto com músicas de Thelonious Monk arranjadas em ritmos brasileiros); Dom Salvador (nosso grande Mestre e ilustre rio-clarense); Prasanna (guitarrista indiano que mistura música Carnática com Jazz e Rock); e Richard Boukas (projeto com forte linguagem e influência brasileira). Alguns outros artistas com quem já trabalhei em turnês são Eliane Elias, Lee Ritenour & Dave Grusin, Chuck Loeb e Hiromi.
DIÁRIO – Como você enxerga o mercado musical brasileiro atualmente?
Mauricio Zottarelli – O Brasil continua sendo celeiro de músicos fantásticos e artistas fenomenais. Mas, na minha opinião, muito do que se vê e ouve na mídia e o que “vende” hoje em dia são coisas feitas sem um real compromisso com a qualidade e com conteúdo. A música e a arte como um todo, são manifestações que nos permitem pensar, criar, questionar, interagir e nos comunicarmos. Enfim, apesar de hoje vivermos um período de depreciação do músico e do artista, é nossa responsabilidade criarmos a melhor arte possível, que desafie positivamente nossa intelectualidade, que emocione, que faça rir, chorar e que crie uma via de comunicação fluente e saudável entre diferentes culturas, ideias, raças e crenças.
DIÁRIO – O que o faria voltar ao Brasil?
Mauricio Zottarelli – O Brasil sempre está muito vivo em meus pensamentos – e depois de 20 anos de carreira no exterior, sinto que fiz pouco musicalmente por aí. Gostaria de poder apresentar meus trabalhos em meu país mais frequentemente e contribuir com vários dos excelentes artistas e projetos nacionais. Obviamente, sinto falta de muitos aspectos culturais e do dia a dia, que são únicos do brasileiro. E, se for para comparar Nova Iorque com o Brasil, podemos falar do clima, também… faz muito frio em Nova Iorque!
DIÁRIO – Numa entrevista após o fim dos Beatles, John Lennon, em tom irônico, afirmou que nenhum dos quatro integrantes poderia ter feito carreira solo de início, pois nenhum deles daria certo. Lennon explicou por quê: “eu, porque sou muito feio. George Harrison, porque é muito tímido. Paul McCartney, porque é muito fraco, e o Ringo Starr, porque é baterista!”. Obviamente, trata-se de uma piada, uma brincadeira. Porém, você entende que, de fato, há um preconceito ou uma grande dificuldade para que o músico instrumental, em especial o baterista, consiga alguma repercussão do seu trabalho? Você entende que cause ainda mais dificuldade o fato de ser baterista?
Mauricio Zottarelli – Sim, essa piada com bateristas é extremamente comum! Acho que um pouco disso é culpa do baterista – explico: ao tocarmos a bateria, nossa atenção se concentra praticamente 100% do tempo em ritmo. Outros elementos da música (melodia e harmonia) ficam meio “de lado”. Acho importante o baterista se aperfeiçoar e estudar esses outros elementos – estudar um pouco de harmonia, talvez tocar um outro instrumento – e ter uma maior noção do que os outros músicos estão fazendo e tocando. Isso nos torna músicos mais completos e melhores bateristas também!
Eu sinto esse problema acontecer de maneira muito forte nas gerações mais novas, talvez pela facilidade do acesso a conteúdo “baterístico” em plataformas digitais, como o YouTube, por exemplo. Grande parte dos bateristas hoje em dia só estuda bateria e só estuda em casa, sozinho. Isso, na minha opinião, causa um desnível de habilidade muito grande – esse músico que só toca sozinho em casa vai ter muita dificuldade de se ambientar em uma situação com outros músicos: uma orquestra, banda, acompanhando um artista ou criando seu próprio trabalho autoral e, certamente, terá dificuldade em tocar de maneira apropriada para a situação em questão.
No que se refere à música instrumental, temos também uma luta contra o preconceito com a música “que não tem cantor”. Infelizmente, o mercado atual para música instrumental (seja o jazz ou música clássica) é muito pequeno. Eu sinto que falta um pouco de esclarecimento para que as pessoas consigam entender e apreciar o que acontece musicalmente quando não há cantores na banda.
DIÁRIO – Como é dividir o palco com o mítico, e também rio-clarense, Dom Salvador?
Mauricio Zottarelli – Tocar com o Dom Salvador tem sido uma das coisas mais emocionantes da minha vida. É muito interessante que fomos nos conhecer somente em Nova Iorque. Eu me lembro de sempre ouvir falar dele – o Salvador é muito amigo dos meus pais. Mas foi durante meu tempo em Boston, tocando com o Gilson Schachnik (no que seria mais tarde o projeto MOZIK) que acabei conhecendo várias gravações do Salvador. Quando me mudei para Nova Iorque, fui procurá-lo e ele tem sido fundamental para mim como um grande amigo e mentor. Suas composições, sua maneira de tocar e sua concepção musical são grandes influências no meu som e no que quero transmitir com a minha música.
DIÁRIO – Há planos para futuras apresentações em Rio Claro?
Mauricio Zottarelli – No momento, não, mas, como mencionei, gostaria muito de apresentar meu trabalho em Rio Claro mais vezes. Tive a oportunidade de me apresentar várias vezes nos clubes da cidade ao longo dos anos e também no festival de inverno. Espero poder voltar várias vezes num futuro próximo!