No horário marcado, José Roberto Sant’Ana chegou às dependências do Diário do Rio Claro. Pagou o táxi, que o transportou até o local e acompanhou timidamente a equipe até a sala de entrevista. Participavam da entrevista os jornalistas Odair Favari, Ludmar Gonzalez, Vivian Guilherme, Lourenço Favari e o fotógrafo Bruno Nicoletti. Enquanto se acomodava, a conversa em off ia deixando o jornalista à vontade com os entrevistadores.
“É muito melhor acreditar na imprensa do que nas redes sociais”
Pouco antes, na sala que antecede a de reunião, ele presenteou a nova plêiade do Centenário com um DVD sobre os festejos do aniversário de 127 anos de Rio Claro. Uma produção, que segundo ele, foi realizada ainda na época em que engrossou as fileiras do Número 1, entre 1987 e 1990. Na ocasião, em uma promoção realizada pelo jornal, a cantora Rita Lee foi convidada para uma sessão do filme que aconteceu no Cine Excelsior 2. Era uma sessão exclusiva para a cantora, que tinha estreita ligação com a sala de cinema local, afinal sua família, os Padula, eram proprietários do estabelecimento e com quem passava as férias quando criança.
“O jornal Centenário tem compromisso com a palavra escrita”
Ícone da imprensa do interior paulista, Sant’Ana com outros grandes jornalistas da cidade modificaram a forma de fazer jornalismo. Influenciou uma geração de profissionais e é referência quando o assunto é comunicação. Aos 63 anos de idade e 40 de imprensa, entrou para o impresso escrevendo horóscopo, única brecha que encontrou para produzir mensagens criativas e libertárias no período da ditadura militar. “Liberte-se”, evocava no meio das descrições de cada signo. Pouco depois, já trabalhando no Diário do Rio Claro, em 1987, criou e publicou a coluna La Prensa, onde o personagem anárquico Santa Crise ironizava tudo e todos.
“Se a economia não é local, a cidade não tem identidade”
Na entrevista, regada a uísque Johnnie Walker Red Label e muitos quitutes (quanta diferença, hein!), relembrou diversas histórias. E enfatizou que não poderia guardar informações relevantes para a compreensão de Rio Claro. No final, quando o papo já havia terminado e se preparava para partir sentenciou: “Foi a melhor noite dos últimos tempos. Obrigado pela oportunidade”. Confira trechos da entrevista:
“Rio Claro percebia antes que era uma quadrilha. Eu não!” – sobre o Partido dos Trabalhadores.
Quando o jornalismo nasce como paixão?
A paixão do jornal é desde moleque. Fazia jornalzinho na escola. Estudava no Batista Leme, com 12, 13 anos, e tinhas atividades com jornal. Era os anos 60. E era extraordinário. O mundo estava fervendo, mil por hora. Tudo acontecendo: guerra fria, tecnologia, guerra nuclear para acontecer. Corrida espacial, competição entre União Soviética e Estados Unidos para o desenvolvimento da matemática, física… Então a gente fervia com essa questão de informação. Um monte de coisas novas saindo na imprensa. Então a mídia era e é a porta do mundo.
A sua primeira coluna, a de horóscopo, era publicada no Diário? Qual a influência do jornal nesse período?
Sim, era no Diário. O Diário sempre foi o modelo da imprensa local. Era ‘O’ jornal, ‘A’ imprensa. Os demais eram: como fazer algo parecido com o Diário. E isso pode ser justificado pela idade do jornal. A marca Diário é inquestionável.
Esse conceito da coluna, qual a influência para criar a coluna La Prensa?
A ideia era de que tudo que circulava pela imprensa poderia ser utilizado neste espaço. Frases de efeito, palavras estranhas, cinema, música, notícia, tudo. Isso foi o começo. Aí começou a afunilar para algumas coisas mais definidas. Os manuais de redação começaram a chegar nas redações do interior e a gente ia ler e o manual dizia: fazer isso, fazer aquilo, não fazer aquilo. Então comecei a colecionar tudo o que não fazer. Tudo que não podia fazer eu fazia, tudo ao contrário. O Santa Crise era totalmente anárquico, contra o governo, qualquer que seja. Importante dizer que a coluna não teria iniciado se não fosse pelo apoio de Geraldo Zanello. Teve uma promoção cívica muito importante feita pelo jornal. Quando foi promulgada a constituição em 5 de novembro de 1988, três dias depois, o Diário fez junto com a comunidade e o poder público um ato cívico para comemorar a nova constituição na Praça da Liberdade.
O que mudou na imprensa desde quando você começou?
Primeira coisa que mudou foi a pulverização das coisas. Até um tempo estava centralizado no impresso. A partir do momento que teve uma dispersão, a coisa ficou mais ampla. O controle de qualidade da informação se perde. Por outro lado tem um aspecto positivo, antes a palavra impressa era considerada sagrada. Isso é um arquétipo que vem desde quando a palavra de Deus é escrita. Tudo que é escrito é verdade. Agora não é mais, a palavra escrita já não tem mais toda essa importância. Passou a ter um questionamento sobre as informações. Isso é muito positivo. As pessoas estão dando sinal de desenvolver o espirito crítico. A parte negativa é que a dispersão não permite algum tipo de controle da qualidade. Hoje o debate é Fake News. O resumo na minha opinião, não é para ter controle. Isso é problema de quem frequenta a internet, é problema dele. O Estado não pode regulamentar isso.
Teria espaço para o colunista Santa Crise atualmente? O que seria pior, falar sobre política ou comportamento?
Não teria espaço. Pior falar de comportamento do que de política, por que a política não tem moral. Os políticos não tem uma moral para defender.
Você acredita nas novas gerações?
Qualquer projeção que você faça sobre as novas gerações é um mito. A juventude é um mito.
E politicamente, como se classificaria?
Eu não sei como eu me classificaria, mas eu seria ou anarquista ou de direita, mas jamais de esquerda!
RÁPIDAS
Rio Claro: São João Batista.
Diário: Modelo de imprensa, tradição.
Momento inesquecível na sua vida de jornalista: Salto de paraquedas.
Momento da carreira pra esquecer: Demissões.
Expectativa para o futuro: Morte.
Um lugar que o Sant’Ana é o Sant’Ana: Onde tem música.
Ídolo: Jesus Cristo.
Um sonho possível: Loteria.
Um sonho impossível: Conhecimento.
Mudaria de calçada ao cruzar com: A maioria.
Não merece meu respeito: A esquerda.
A política é: Frustração, pra não dizer crime organizado. Não, coloca crime organizado!
Galeria de Imagens
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Por Lourenço Favari