Para quem considera que os paulistas têm um lendário espírito bandeirante, de ir em frente e abrir caminhos, a história do petróleo nacional contribui para confirmar essa crença.
A primeira perfuração particular em busca por petróleo no Brasil remonta ao final do século XIX e foi feita no município paulista de Bofete, entre 1892 e 1896.
Ali, então, Eugênio Ferreira de Camargo instalou uma sonda por conta própria em uma área de afloramento de betume. A prospecção foi encerrada com a localização de água sulforosa a quatrocentos metros. Teria produzido dois barris petróleo.
O episódio de Bofete fomentou a discussão sobre a existência de petróleo no estado de São Paulo. Visionários da região de Piracicaba, São Pedro e Rio Claro entraram em alerta. Alguns partiram para a ação e deram início à saga dos bandeirantes do petróleo. A mobilização foi encerrada no fim dos anos 1950 com a constatação de que não havia petróleo em Rio Claro nem no interior paulista.
Rio Claro
O jornalista e vereador (1956/59) José Pires Pimentel de Oliveira Junior, o Zezé Pimentel, sempre garantiu que as primeiras perfurações na Assistência teriam sido feitas na mesma época das pesquisas realizadas na cidade de Bofete. Assim, o jornalista reivindicava para Rio Claro condições de compartilhar com aquela cidade a primazia em prospecção de petróleo no Brasil.
Seu argumento era de que o pioneiro de Bofete, Eugênio Ferreira de Camargo, tinha a família ramificada em Rio Claro, o que explicaria a extensão daquela pesquisa até aqui, em propriedades de parentes.
Eletricidade e petróleo
A atenção de Rio Claro entre os séculos XIX e XX para com as atualidades do mundo moderno, no que inclui a exploração de petróleo, tem justificativa. Como exportadores, os fazendeiros eram agentes da economia internacional.
A oferta de energia elétrica local impulsionava uma economia que se urbanizava com o uso de máquinas para a agricultura, indústrias de cerveja, tecelagem e ferrovia. O mercado se abria para produtos como lâmpadas, ventiladores, campainhas, ferros elétricos, geladeiras.
É natural que alguém começasse a pensar em petróleo como produto de mercado. Novos bandeirantes iriam entrar em cena.
João Quilici em 1906
Entre 1906 e 1909, um empreendimento deixou referências. O fazendeiro e construtor João Quilici, sem sucesso, escavou um poço da fazenda Quilombo no atual bairro Assistência. O poço que ele abriu acabou aterrado. Sua localização não é conhecida, mas, segundo os filhos Leonardo e Godofredo, ficaria a 500 metros do local em que viria a ser instalada a última sonda em 1958.
De início, João Quilici investira na ideia em 1906, sem maiores conseqüências. Três anos depois, por volta de 1909, ele teria sido procurado pelos engenheiros ingleses Rheinfrank e Richard, que o estimularam a ampliar a pesquisa. As operações foram retomadas.
O grupo constituído firmou por contrato particular a exploração das terras de um certo Oliveira Goes. Pelo contrato, os ingleses teriam participação de 70%, o proprietário 25% e João Quilici 5%. A seguir, outros contratos foram firmados com proprietários da vizinhança.
A parte nebulosa do episódio fica por conta de seu final. A tradição diz que em dado momento engenheiros teriam suspendido as prospecções feitas nas várias propriedades e com amostras geológicas e suas anotações seguiram para a Inglaterra em busca de financiamento para sondas e equipamentos. Então, teriam sumido de cena. Nunca mais voltaram.
O imaginário local preferiu entender que no caso teria ocorrido influência de interesses ingleses para boicotar a pesquisa de petróleo no País. Anos depois iria se conhecer outra versão, mais simples. De que a busca de recursos na Inglaterra em 1912 teria sido frustrada pela instabilidade política da Europa às portas da Grande Guerra. Má ocasião para se pensar em investimentos de risco.
Querosene de 1917
José Calazans Negreiros é outro lendário bandeirante do petróleo por sua prospecção também em Rio Claro, que o tornou conhecido como “o barão do Queresone”. Seu nome está vinculado a uma sonda construída também na Assistência, em 1917. Sem que chegasse a produzir, o poço foi fechado e cimentado.
Ao que conta a tradição, ele consumiu sua fortuna no investimento. Na iniciativa, contou com apoio do presidente do estado de São Paulo, Altino Arantes, por influência de Eloy Chaves, da Central Elétrica, e do conselheiro Antonio Prado, presidente da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Foi a primeira pesquisa oficial no País, segundo a imprensa paulista da época.
Republicanos
Para a inauguração da sonda sonhada por José Calazans Negreiros estavam presentes o governador Altino Arantes e seus secretários Cardoso de Almeida, Eloy Chaves, Cândido Motta e Rodrigues Alves, ex-presidente da República.
Eles formavam comitiva que incluía o presidente da Câmara dos Deputados, Antonio Lobo; o presidente do Senado Estadual, Jorge Tibiriçá, ex-governador; uma longa lista de deputados federais e estaduais; a nata dos líderes republicanos da Capital e interior e a Banda da Força Pública, acompanhada das bandas dos Ferroviários e do Theatro Variedades. Sem contar a maioria dos políticos e ilustres da cidade e região.
Os visitantes foram recepcionados pelo prefeito Ignácio de Mesquita Correa e pelo presidente da Câmara Municipal José Ribeiro de Almeida Santos Filho, liderados de Marcello Schmidt, então vereador e chefe político da região eleitoral.
Grande público acompanhava as idas e vindas dos visitantes, entre a estação ferroviária, discursos nos dois palanques montados na Praça da Liberdade, banquete com cardápio em francês para cem talheres na Philarmônica, espetáculo de gala no Theatro Variedades e visita à usina da Central Elétrica. Tudo depois da abertura da primeira agência da Caixa Econômica na Avenida 3, em frente ao Jardim Público, e antes de seguirem para a inauguração da sonda na Assistência.
Em seu discurso de agradecimento pela recepção, o governador Altino Arantes, nos termos da época presidente do estado, reconheceu Rio Claro como um dos municípios berço da República desde o Império e que ao lado de Itu, Piracicaba e Campinas formava “a Califórnia brasileira” por seu espírito empreendedor e sua riqueza.
Perfil de um bandeirante
Conforme Oscar de Arruda Penteado registra, José Calazans Negreiros era proprietário das fazendas Pindorama e São Joaquim, em Santa Gertrudes. Motivado pela expectativa de haver petróleo na Assistência, por própria iniciativa, contratou os serviços do engenheiro inglês Richard Cohe para as pesquisas iniciais. O ponto de partida estava em fósseis e cascalhos que vertiam um óleo escuro com cheiro de querosene. As amostras pegavam fogo. Para levar adiante seu projeto de prospecção, Calazans mudou-se para Rio Claro, em 1913.
A partir daí, conseguiu várias opções entre proprietários de terra na zona onde pretendia fazer explorações e formou sociedade com o engenheiro de minas Francisco Emídio da Fonseca Telles, de São Paulo. Com registros no Cartório de Hipotecas feitos em 12 de julho de 2016 investiu na referida companhia de petróleo com direção dos engenheiros Eduardo Ribeiro Costa e Frank Muller.
Penteado atribui a frustração do empreendimento, cuja perfuração não chegou alcançar grande profundidade, ao fato da broca haver quebrado ao encontro de um depósito de basalto. O acontecimento teria abatido o entusiasmo dos engenheiros, que deixaram as operações devido à dificuldade para se conseguir novas perfuratrizes.
Calazans Negreiros, “que, naquele empreendimento, investira grande capitais, cansado e aborrecido com o insucesso, afastou-se definitivamente das iniciativas. Vendeu suas fazendas e mudou-se para São Paulo, onde faleceu.”
Anos 1920
Água e fósseis com cheiro de querosene e calcário vertendo óleo mantiveram a expectativa de haver petróleo na cidade. Diversos relatos de ocorrências na região contribuíram para manter viva a esperança de achar petróleo ao longo da década de 1920.
Em 1921 o governo federal, por indicação da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, instalou sondas em Brotas, São Pedro, Itirapina e Charqueada. A Companhia Cruzeiro do Sul retomou as pesquisas em Bofete. O governo estadual também prospectou em São Pedro. Também em São Pedro, a Companhia Petrolífera Brasileira abriu poços. Seguiram-se diversos casos.
Fazenda Pitanga em 1930
Um dos mais famosos casos de prospecção aconteceu em 1930, quando Martinho Levy procedeu a quatro perfurações em sua fazenda Pitanga, nos limites de Rio Claro e Piracicaba.
Para os trabalhos, a oficina Bruno Meyer & Filhos ergueu no local a primeira torre de petróleo fabricada na América do Sul. As perfurações não ultrapassaram duzentos metros. Sem sucesso.
Os irmãos Meyer eram Oscar, Reinaldo, Artur, Ewaldo e Érico. Com eles trabalharam Leonardo Butolo e César Ferri. A torre construída tinha 25 metros de altura e era dotada de perfuratriz de rotação com potencial de perfuração até mil metros.
A campanha em 1958
Com base em expectativas que vinham pela tradição desde o início do século, Rio Claro, então, deflagra sua campanha para que a Petrobras fizesse prospecções no bairro Assistência. O movimento busca recolocar Rio Claro no mapa do Brasil depois da frustrante decadência da agricultura. O ouro negro a partir de agora não seria o café, mas o petróleo.
Disseminada com liderança de Zezé Pimentel, a mensagem é captada, assimilada e levada em frente. O desafio está no ar.
O movimento se difunde entre políticos locais e nacionais. Ganha apoio de jornalistas. Clubes de serviço e entidades de classe mobilizam-se.
Em São Paulo, por meio do Correio Paulistano, João de Scatimburgo estimula a causa, conforme se confere na edição de 9 de dezembro de 1955 do jornal. Também no Correio Paulistano, João Evangelista Ferraz manifesta apoio a Rio Claro. Do interior, o jornalista Carlos Alberto dos Santos, de O Imparcial, de Araraquara, difunde a causa desde o início.
Logo, na Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro, o deputado Castilho Cabral não apenas chama as atenções para a causa de Rio Claro como oficialmente cobra a presença da Petrobrás no município. Um dos registros de sua manifestação está no Diário do Congresso de 29 de novembro de 1955. Antes dele, em 1948, o deputado Odilon Braga já se antecipara em semelhante manifestação, sem sucesso.
Ambos registraram o mesmo comentário, “Rio Claro e Bofete estão intimamente ligadas à história nacional do petróleo. Foi nessas duas cidades, em 1897, que por iniciativa de Eugênio Ferreira Camargo processaram-se as primeiras sondagens”. É evidente que ambas as manifestações respondiam à articulação de Zezé Pimentel, fonte característica desse tipo de informação.
A Câmara Municipal de Rio Claro, na legislatura de 1956 a 1959, aprova indicação para se encaminhasse ofício aos deputados federais Castilho Cabral, Ulysses Guimarães, Dagoberto Salles, Loureiro Junior e Hamilton Prado, “amigos de Rio Claro”, pedindo apoio à campanha de reivindicações à Petrobrás.
A indicação é assinada pelos vereadores: Pimentel Junior, Higino Pereira, Benito Castellano, Gustavo Stein, José Eduardo Leite, Januário Silvio Pezzotti, Diogo Sanches, José Rodrigues Jordão, Juliano Capelato, Roberto César, Humberto Cartolano, Irineu Penteado Filho, Antonio Maria Marrote, Paulo Hofling, Ítalo Lorenzon, Urbano José Lucchini, Orpheu Lotti, Joaquim Abdalla e Higino Pereira.
Por meio dos deputados, o ofício é encaminhado ao presidente da Petrobrás coronel Artur Levy.
O texto continua na próxima edição de domingo do Diário do Rio Claro, no dia 2 de setembro.
Por José Roberto Sant´Ana