A falácia da privatização dos serviços de água: água como direito, não como mercadoria
A água é essencial à vida, mas muitos gestores públicos tratam esse recurso como uma mercadoria, sujeita às leis do mercado. Ao vê-la apenas como uma rubrica orçamentária ou ativo comercial, desconsideram os princípios da dignidade humana e a função social que a água deve cumprir em uma sociedade democrática.
A água é um direito humano fundamental, consagrado em constituições e tratados internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. Privatizar os serviços de água compromete o acesso universal e igualitário a esse recurso vital, prejudicando a justiça social.
Privatizar os serviços de água e impor tarifas altas torna o acesso a esse bem vital um privilégio de poucos. Ao tratar a água como mercadoria, aqueles que não podem pagar ficam excluídos da água potável e de uma vida digna. Prefeitos que se rendem ao mercado criam uma sociedade de castas, onde a exclusão social é institucionalizada.
A justificativa de que a privatização garante sustentabilidade financeira ou eficiência é uma falácia. Experiências em outros países mostram que, ao transferir o controle para empresas privadas, as tarifas aumentam sem melhorias substanciais no serviço. A privatização apenas cria novos problemas. Os gestores estão entregando um bem comum e inalienável às corporações.
Exemplos como a privatização da água em Cochabamba, na Bolívia, nos anos 90, mostram como a privatização pode resultar em injustiça social. Quando as tarifas dispararam, a revolta popular levou à reversão do contrato e ao controle público novamente, provando como a privatização fere direitos humanos básicos.
No Reino Unido, a privatização da água em 1989 resultou em tarifas mais altas sem melhorias no serviço. Empresas como Thames Water focaram no lucro, enquanto os cidadãos, especialmente os mais pobres, continuaram a sofrer com as tarifas elevadas.
Nos Estados Unidos, em Flint, Michigan, a negligência na gestão pública e a privatização parcial resultaram em uma crise de saúde pública, com a água contaminada por chumbo. Isso mostra como a falta de responsabilidade pública pode resultar em desastres humanitários.
Esses exemplos mostram que, ao tratar a água como mercadoria, os direitos humanos ficam em risco. A privatização não oferece soluções, mas revela uma falta de compromisso com os cidadãos. Deixar um órgão público enfraquecer para justificar a privatização é uma manobra manipuladora de gestores sem compromisso com o bem público. A falácia da privatização fere os princípios da boa governança e ignora que o Estado deve garantir o acesso universal a direitos essenciais como a água.
Quando prefeitos e gestores tratam a água como mercadoria, ignoram o compromisso do Estado com a igualdade de direitos e o bem-estar coletivo. A água não é um produto de prateleira, mas a base da saúde pública, educação e bem-estar. Torná-la inacessível para a maioria desmantela a estrutura da sociedade democrática.
A privatização da água não resolve os problemas de gestão, mas resulta em mais desigualdade e exclusão. O Estado deve garantir que todos tenham acesso à água potável, saudável e acessível. A água é um direito humano, e tratá-la como mercadoria é uma afronta aos princípios de justiça social e dignidade humana. A gestão pública deve ser a responsável pela água, comprometida com a igualdade de direitos e o bem-estar da população.
Antonio Archangelo é gestor, professor e autor do livro Inovação no Setor Público.
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