Sentado no banco da praça, ele passava os dias, calado, a observar as pessoas, sem ser notado por elas. Estava acostumado a essa indiferença, que já não lhe incomodava mais. Sua aparência não era das melhores. Passava dias com a mesma roupa e já havia algum tempo que não dava um trato no visual. Mantinha os cabelos e a barba compridos.
Se a sua fisionomia incomodava os olhares alheios, a ele não incomodava nenhum pouco. Dormia onde desse. Nos bancos das praças, sob a marquise das lojas e das agências bancárias, enfim. Qualquer lugar é lugar de dormir, quando o sono acaba por se tornar inevitável, logo descobrira. A natureza tem sua quota de generosidade, pensara certa ocasião, quando, ao acordar com os raios de sol estourando-lhe sobre os olhos, percebeu que o sono havia dissipado a fome.
Mas, nem sempre fora assim. E daqueles dias, não gostava de lembrar nenhum pouco. Era coisa do passado. Já não era peso e nem medida em sua vida. Era apenas lembrança, que ia se apagando aos poucos, conforme os dias avançavam.
Ainda trazia consigo a mesma mochila, que, por vezes, botava nas costas e saía a perambular pelas ruas daquela cidade, próximas do centro. Costumava caminhar a esmo durante o dia, porque, à noite, era mais perigoso.
A maldade não tem rosto e nem manda aviso, aprendera desde cedo, desde muito criança. O pai era um sujeito bem afeiçoado, tinha uma posição de certa importância na sociedade. Ia à missa aos domingos, escrevia para o jornal local, era advogado de boa reputação e bastante requisitado. Mas batia na esposa, sua mãe, sem que ninguém mais, além dele, mesmo, então um menino de 10, 11, 12 anos, soubesse.
Os irmãos, não tinham tempo, para os dramas da mãe e as preocupações do maninho caçula. Estavam ocupados com os estudos, com o futuro que parecia tão bonito, tão certo e tão promissor.
De modo que ele, era apenas o acessório, por vezes, inconveniente, de uma família feita de aparências. Mas, pra que pensar nisso, agora? Dava-lhe náuseas lembrar daquela gente, o pai, os irmãos, menos da mãe.
A mãe sempre quieta, acomodada no seu canto, cumpridora de deveres, preocupada com as aparências, com a boca e as opiniões alheias. A mãe que lhe ensinara a rezar o pai nosso e a ave maria, enquanto ele, um pirralho de 4, 5 anos ainda dormia no berço, ardendo de febre, acometido de uma doença que médico algum conseguia diagnosticar.
Não queria contudo, pensar nessas coisas. Tinha mais o que fazer. Ouvir atentamente as pessoas, o que diziam quando passavam por ele, falando ao celular. Anotava tudo, depois, no seu caderno de notas, que trazia consigo na mochila velha e surrada. Não bastava. Precisava também observar as pessoas, ainda que à distância. Vasculhar os seus olhares, quando, inadvertidamente, encontravam os seus. O modo como respiravam, ao passar por ele, indicavam-lhe, por exemplo, o estado de ânimo em que se encontravam.
E tudo aquilo que a sua mente, o seu lápis e o seu olhar registrava, se tornava, durante a noite, enquanto o sono não vinha, pretexto para escrever algumas linhas, algumas. Até que o desânimo lhe acometesse, de repente. A vontade de não fazer nada se impunha. Era quando deixava seu olhar se perder em uma direção qualquer. E assim permanecia, com os olhos fixos na mesma direção, durante horas, minutos, sem que desse conta do tempo e dos acontecimentos à sua volta.
No mais das vezes, os seus registros serviam-lhe apenas como pretexto para compor a primeira frase. Depois, fechava os olhos e deixava a imaginação fluir. De onde vinham aquelas pessoas, objetos de suas atentas e disfarçadas observações? Como eram suas vidas? O que traziam escondido na mente e nos corações? Vontades inconfessáveis, desejos contidos. O quê?
Eram perguntas tolas, banais, mas, o suficiente para escrever aquilo que a sua, por vezes, inspirada imaginação, lhe sugeria. Ficara sabendo naquela tarde, por exemplo, que a senhora de vestido estampado e cabelo preso que passara por ele, se dirigia ao Fórum, de modo a tentar gratuitamente, o remédio de alto custo e uso contínuo que seu filho doente fazia uso e que o poder público, naturalmente, se recusava a lhe oferecer. Pobre, mulher!
Por vezes, não ter nada na vida, nem sonho e nem compromisso, é muito melhor, mais cômodo e menos difícil. Não demorara muito a chegar a essa conclusão, desde que conhecera aquela praça e adquirira o hábito de observar as pessoas.
A tarde ia se despedindo e o casal de arara azul já ciscava muito tranquilamente ao lado do obelisco da Praça da Liberdade em meio aos transeuntes. Logo, a noite viria aprisionar a esperança até que os primeiros raios de sol da manhã seguinte viessem libertá-la. E quem sabe as boas almas chegariam a qualquer momento para lhe oferecer a refeição que lhe faltara durante todo o dia. Esperava ardentemente por isso.
Por Geraldo Costa Jr. / Foto: Divulgação