Não é só sobre ter ou não ter uma religião. É sobre ter ou não algo mais profundo, menos institucionalizado, pessoal e intransferível: fé. Tanto ter como não ter são sentimentos que não passam tanto pela razão. Por isso ninguém está credenciado a julgar outra pessoa por sua falta de fé ou pelo excesso da mesma. “Cada um é cada um”, em bom e velho ditado popular.
“A ciência sem a religião é imperfeita, a religião sem a ciência é cega”, escreveu certa vez Albert Einstein em uma de suas correspondências, nas tantas vezes em que foi questionado sobre o assunto. A devoção do autor da teoria da relatividade era de fato pela ciência, fundamentada na razão, mas que dialogava com algo ainda maior que as religiões estabelecidas: uma consciência cósmica. No final da vida em outra carta afirmou que “Deus era um produto da fraqueza humana.” Mas em nada nos acrescentaria saber se de fato Einstein acreditava ou não em Deus. Isso é algo muito pessoal, e assim, merece ser respeitado.
Para o físico mais importante e famoso da humanidade, ao lado de Galileu e Isaac Newton, o fascínio de ser um animal racional está na capacidade de avançarmos no conhecimento de nós mesmos, do Universo, em desvendar o mistério por trás das leis da natureza.
A ciência, ainda que seja baseada em evidências, em provas, com suas ferramentas extremamente poderosas, ela em si não tem todas as respostas. Podemos fazer perguntas de caráter existencial ou filosóficas que fogem completamente do modo científico de investigação.
Alguns cientistas pelo mundo reconhecem isso, mas há também muita arrogância por parte de outros que se agarram a um “triunfalismo científico”. Basicamente é a crença de que a resposta para todas as coisas pela ciência é só uma questão de tempo. Um recente e badalado autor, Yuval Noah Harari, autor de “Sapiens” e “Homo Deus”, tende a esse triunfalismo ingenuamente soberbo.
Sempre que a ciência avança, junto com as respostas ela cria novas perguntas. O meu xará, de nome e profissão, Marcelo Gleiser, tem um livro excepcional sobre o assunto, a Ilha do Conhecimento, no qual ele simplifica essa questão. Imagine que o conhecimento que produzimos é uma ilha que vai crescendo, cercada pelo oceano do desconhecido. O paradoxo está na medida em que a ilha cresce, sua fronteira com o desconhecido também cresce. Ou seja, mais e mais perguntas surgem.
Nos equipamos a fazer novas perguntas que ninguém poderia imaginar que pudessem ser feitas.
Assim, a diferença fundamental entre a religião, baseada na fé, e a ciência é que a primeira se constrói com afirmações e a segunda com perguntas.
Crentes e ateus tem muito em comum na sua essência. Enquanto o religioso de fé cega afirma “sim, eu sei Deus existe”, de seu lado o ateu mais fundamentalista, rebate dizendo “eu sei que Deus não existe”. O ateísmo radical, portanto, é a fé na não fé. Essa afirmação categórica de que Deus não existe, também não é baseada em evidências, logo não é científica.
Uma das posições que parecem mais equilibradas é reconhecer que não sabemos tudo pela via científica, nem pela fé. Há quem mantenha a posição agnóstica, ainda que professe uma religião institucionalizada.
Com suas declarações, coerentes ao longo de sua vida, desde que ganhou fama mundial, Einstein, mostrou que é possível se maravilhar espiritualmente fazendo ciência. “A emoção mais fundamental que nós humanos podemos sentir é o maravilhamento diante do Mistério. Esse Mistério, assim, com M maiúsculo, é mola propulsora da criatividade humana”, dizia ele.
Para Einstein, quem não se maravilha diante da dúvida, do desconhecido e não sente vontade de descobrir, de criar, é como uma vela que já se apagou.
A dúvida é que move o mundo. Por isso há muito de espiritual em se fazer ciência, em criar tecnologias que facilitam a vida humana, que permitem prolongar a vida e curar doenças, além de procurar se aproximar das grandes questões da nossa existência.
Não são apenas cálculos frios, ou teorias implacáveis com suas equações carrancudas. Ali também há devoção de vidas inteiras de pessoas que buscam nos tirar da escuridão. Fosse para aceitar a fé cega, Copérnico não teria descoberto que nosso planeta não era o centro do Universo, Galileu não teria reforçado e enfrentado a Inquisição da Igreja, ou mesmo Isaac Newton não teria avançado e descoberto, entre tantas outras coisas que a mesma lei que faz uma maçã cair é a que rege o movimento de planetas, estrelas e galáxias. Ainda mais que esses três, só para lembrar, eram religiosos fervorosos.
Fazer ciência não é querer desvendar a mente de Deus, mas desvendar a nós mesmos, e o nosso insignificante lugar em meio a imensidão do Cosmos. E é também uma aventura carregada de fascínio e espiritualidade.