Entre as áreas afetadas pela pandemia iniciada em 2020 até este momento que está para marcar o fim de 2021, não há dúvidas sobre o quão marcante foi para a Educação brasileira este capítulo da história. Uma fase que, para Antônio Archangelo, professor de Língua Portuguesa da Escola Estadual Januário Sylvio Pezzotti, em Rio Claro, representou um Novo Mundo. E não por acaso.
Em 2020, o professor rememora que deu um único dia de aula presencial, em 13 de março daquele ano. Nas semanas seguintes, dado o distanciamento social como prevenção ao novo coronavírus, o educador investiu nas plataformas digitais. “Esse fato foi o que estimulou essas plataformas que eu imaginava como alternativa de ensino de letramento da língua portuguesa, incentivando à leitura e à escrita, que é o que eu acredito que precisa acontecer para podermos evoluir enquanto produtores de conteúdo.”
A partir de uma teoria sobre multiletramentos – que aborda sobre como o aprendizado pode ser absorvido se utilizando das novas mídias através de uma interação entre os educandos -, de autoria da professora da área de Linguística da Unicamp, Roxane Rojos, Anchangelo fundou a Sociedade dos Poetas Uivantes e o Jornal do Camões – meio digital que ganhou muita visibilidade entre a comunidade escolar atuante, inclusive em âmbito estadual.
“Depois da Sociedade dos Poemas Uivantes e do Jornal (Camões), a partir da notoriedade que esses portais ganharam na comunidade escolar – especialmente o Jornal do Camões –, os próprios alunos se sentiram incentivados a criar outros projetos em 2021, que são a Cia. de Teatro Juca Pirama, a agência de publicidade Lima Barreto, o selo Uivante Records, entre outros”, afirma o educador.
O saldo de toda essa iniciativa resultou em entrevistados de renome nacional, estadual e municipal, como o filósofo Mário Sérgio Cortella, o vocalista da banda CPM22, Badauí, o jornalista e colunista da Folha de S. Paulo, Reinaldo José Lopes, e a professora, jornalista e chefe de redação do Diário do Rio Claro, Vivian Guilherme.
Segundo Archangelo, o projeto que estava planejado para ocorrer ao longo de 3 anos aconteceu em plenos 6 meses. “Foi uma maneira inicial de planejamento que eu queria fazer, de algo diferente. A pandemia veio e acelerou tudo isso, de modo que tudo veio a acontecer bem rápido.” Mas o que seria apenas uma nova investida ao ensino tornou-se uma ‘cena de próximo capítulo’.
O MÉTODO CAMÕES
As mídias digitais e eletrônicas, assim como o que poderia resultar delas, não é objeto de discussão de agora. Nos Anos 60, o intelectual de comunicação canadense Marshall McLuhan já questionava sobre como a tecnologia eletrônica podia mudar a forma de pensar do ser humano. Décadas se passaram e as discussões ainda continuam, agora no âmbito digital.
“Conhecimento sempre foi poder. As classes sociais que tinham acesso ao conhecimento mantinham os meios de produção, ao passo que tinham os melhores cargos. Mas a internet veio e quebrou essa regra. Qualquer um tem acesso a qualquer coisa”, diz o professor Archangelo. Para ele, o letramento envolvido com as novas mídias é uma necessidade dada ao mundo de hoje.
“O professor tem que ser um multiplicador e facilitador. Dentro desse ‘método Camões’, o letramento é encaixado nessas novas tecnologias. O aluno tem que aprender a escrever no caderno, mas também a digitar.” Aliás, sobre o “‘método Camões’”, o educador também foi questionado pelo Diário. Em julho do ano passado, a forma com que Archangelo trabalhou o letramento com os alunos chegou a ganhar visibilidade no portal de notícias do estado de São Paulo.
Quase um ano depois, três ações do projeto foram pré-selecionadas ao prêmio nacional Professor Transformador 2021. “O Jornal do Camões acabou se tornando um método, para mim, muito embora ainda não haja nada comprovado cientificamente.” Embora haja a ressalva, Archangelo afirma que está trabalhando para que isso possa se tornar seu projeto de pesquisa do Doutorado, que “deve sair ano que vem”.
No entanto, o professor explica: “Eu poderia dizer que é um sistema calcado e baseado na linguagem, principalmente de língua portuguesa, mas que eu consigo trabalhar com o conteúdo de qualquer disciplina. Então, além de uma maneira de organizar as habilidades do currículo paulista do Novo Ensino Médio, também serve para produzir conteúdo.”
Como exemplo: “Se vamos falar da questão indígena no Brasil, por exemplo, que é um conteúdo que pode ser trabalhado em sociologia ou história, eu acabo desenvolvendo na matéria de Língua Portuguesa, tendo duas maneiras de trabalhar esse conteúdo. A maneira direta: para aqueles alunos que propriamente estão fazendo a entrevista, indo atrás do conhecimento. E a maneira indireta: quando eu, o professor, usa o material produzido pelos próprios alunos para replicar e introduzir os conhecimentos.”
Para os alunos desta nova geração mais do que ‘antenada’, na verdade, ‘conectada’, o profissional da educação entende que o projeto faz jus. “Não adianta você querer fazer a ‘velha escola’. A pandemia, de alguma forma, encerrou isso e mostrou que existe uma ‘nova escola’. Existe uma necessidade de formar os educandos e educadores para esse novo paradigma.”
O FUTURO DOS CAMÕES
Dizia Michel Focault em seu livro Tecnologias do Eu, de 1990: “Tecnologias que permitem aos indivíduos” traçar seus caminhos de forma autônoma “sobre seus próprios corpos, suas próprias almas, seus próprios pensamentos, sua própria conduta”, transformando-se a si mesmos para alcançar “certo grau de perfeição, felicidade, pureza ou poder”.
É com esta sutileza, embora profunda reflexão das técnicas atuais, que Antônio Archangelo, fundador e idealizador do então Jornal do Camões, trabalhou a pandemia inteira com os alunos.
“Hoje posso dizer que trabalho em um novo grau de significação, com a possibilidade de criações para desenvolver o que Michael Foucault chamaria de ‘tecnologias do eu’. Que é: se você se consistiu como pessoa quando lê e escreve, dependendo da plataforma que você utiliza, então até que ponto os meus alunos, por exemplo, conseguirão desenvolver um pensamento crítico.”
Não por menos, em entrevista o professor comenta que “ao invés de aplicar prova, os alunos deveriam mandar reflexões críticas sobre tudo”, englobando a ementa disciplinar. Como resultado: “Já publicamos duas versões do Jornal do Camões em revista – a de 2020, com o Badauí do CPM22, e a de 2021, com o filósofo Mario Sergio Cortella, na capa. Estamos com quatro podcasts e mais de 200 reflexões dos alunos”, comenta.
Um material ‘digitalmente bruto’ que segundo Archangelo “daria para embasar um projeto de mestrado de algum educador”. Depois de uma longa conversa, o DRC questionou o que os Camões aguardam dada a retomada à vida depois do período pandêmico e o Novo Mundo Digital.
“Finalizo a entrevista dizendo que foi um ano muito interessante. E tenho certeza que esse método – mediante comprovação – precisa ser aplicado e adotado nas escolas públicas, por professores que queiram trabalhar nas bases de novos conceitos. Não adianta você esperar por milagres no Brasil. Se faz a diferença, criando cidadãos críticos para fazer a diferença social.”
Por Giovanna Rubin/Samuel Chagas / Foto: Divulgação