Estamos no fim de mais um ano. E sempre nessa época há quem fique triste, seja pela memória de alguém que perdeu, de lembranças de anos passados que não voltam mais, ou mesmo por não gostar desse tempo que foi sequestrado pela economia e pelo comércio, onde consumir e estar alegre parece obrigatório. A alegria prêt-à-porter…
Outros aproveitam essa época para fazer um resumo. Uma revisão de tudo o que fez ou deixou de fazer, principalmente, neste segundo ano depandemia difícil.
Para o mundo ocidental, cristão em valores e cultura, para além da religião, também pode ser um bom tempo para se pensar no perdão. “Quem eu preciso perdoar e não consigo?”, eis a pergunta desafiadora e que sempre a gente evita fazer.
Provocativo, esse é um tema inesgotável. Por isso não há a menor pretensão de minha parte dar uma receita ou conselho. Afinal para se perdoar é preciso sentir-se perdoador. Não é coisa que se obrigue.
Culpa e perdão são parentes e caminham em uma tênue linha divisória. Em muitas situações dizemos perdoar alguém para nos eximirmos de uma certa culpa ou pela vaidade de nos mostrarmos superiores a alguém que pede nosso perdão. Em muitas relações amorosas, por exemplo, há uma tendência quase histérica a esse tipo de comportamento.
É de Freud a polêmica constatação de que não é o mal, mas o bem que fazemos o grande gerador de culpa em nós. Quantas vezes você disse que perdoava apenas pela falta de opção, por não ter para onde ir ou pela covardia frente a seus novos desejos?
Todas as grandes tradições religiosas têm no perdão a essência de seus ensinamentos. Jesus Cristo, por exemplo, nos determina perdoar setenta vezes sete num único dia! E usa tal número como uma metáfora de infinitas vezes. E emenda que se alguém te fizer um mal pela manhã, que você perdoe, e que se a mesma pessoa te praticar o mesmo mal à tarde, que a perdoe novamente e quantas vezes for preciso.
Não pode haver nada mais revolucionário e difícil para a alma humana! Mimados que somos, nos ofendemos à mínima crítica que recebemos e passamos a evitar a pessoa. Parece uma lição impossível de se pôr em prática. “Sou humano”, uns vão dizer. “Não tenho sangue de barata”, dirão outros, e eu também.
“Quem perdoa é Deus”, há quem diga isso, com cinismo diante da própria incapacidade de perdoar.
Mas nada mais provocativo e necessário, independente da crença de cada um, praticar, buscar o perdão e, principalmente, ser um bom perdoador.
Mas, também é preciso, antes de sair por aí batendo no peito dizendo que é um bom perdoador, conseguir suportar a difícil missão de se perdoar primeiro.
Errar, culpar-se, perdoar-se e recomeçar, é um caminho tembém. Tudo muito além do que é ‘imposto’ pelos contratos sociais e pelas polarizações políticas.
Encarar os inevitáveis silêncios que habitam nossos corações como algo que nos faz crescer é o que nos faz autênticos e autônomos. A feliz atitude de admitir nossos defeitos nos faz arquitetos de nossa própria existência, como seres singulares. Está aí uma excelente meta para 2022: “Perdoar”.