O skate é um dos esportes radicais que começou sua história com poucos adeptos e sofrendo muitos preconceitos – e há quem diga que ainda sofra. Tantos anos desde que foi criado e aprimorado para o que conhecemos hoje, a modalidade antes vista como ‘marginal’, já conseguiu milhares de adeptos. Mas agora tem novos dilemas dentro da atividade: a pouca representatividade feminina dentro do esporte.
Recentemente, o debate foi levantado graças a skatista Rayssa Leal, de 13 anos, que conquistou a medalha de prata nas Olimpíadas de Tóquio, pela modalidade skate street. Além da conquista olímpica, a jovem medalhista também recebeu o Prêmio ‘Espírito Olímpico’, na última terça-feira (9), através de uma votação on-line organizada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) em parceria com um patrocinador dos jogos.
A Fadinha – como a Rayssa é conhecida – é, senão, mais do que destaque, mas um reflexo que vêm sendo apontado desde o ano passado. Segundo dados da Confederação Brasileira de Skate (CBSk), o Data Folha revela que há cerca de 8 milhões de praticantes do skate no Brasil. Deste número, 2 milhões são mulheres, o que representa um crescimento de 75% nos últimos três anos contando a partir de 2020.
Mesmo com o aumento da representatividade na modalidade, ainda há relatos sobre falta de incentivo para a figura feminina dentro da prática. A rio-clarense Mariana Falcão de Oliveira, de 17 anos, começou sua empreitada no fim de julho do ano passado, em 2020. Em entrevista ao Diário, a jovem conta um pouco sobre seu primeiro ano de experiência, sendo garota e iniciante, e esbarrando nessas barreiras a serem conquistadas.
UMA TERAPIA
Localizado na Av. Visconde de Rio Claro, entre as avenidas 10 e 12, o famoso ‘Laguinho’ – ponto histórico para os skatistas rio-clarenses – foi lugar das primeiras manobras da jovem Mariana. Mas segundo a skatista, no começo ela não conhecia nenhum praticante e só admirava o skate pela internet, assistindo a vídeos do YouTube.
“Foi quando conheci um amigo, que me apoiou e deu força logo de cara. Me introduziu na cena e me apresentou pro pessoal do skate local. Foi ali onde eu comecei a entender o skate diretamente. Onde eu conheci vivências e até mesmo, jeitos diferentes de pensar”, explica.
Movida por um desejo de lutar contra um certo desequilíbrio emocional causado pela pandemia – “ansiedade”, como ela mesma afirma -, a jovem skatista conta que a atividade têm servido como uma terapia. “O skate tem muito desse potencial calmante. A forma de se expressar através das manobras é como se fosse um desabafo mesmo. Um jeito de esquecer dos problemas e focar numa coisa só.”
A Mariana, que já completou um ano nessa experiência, ainda afirma que a rotina é “sem pressão”. “Não me pressiono pra andar de skate todos os dias ou pra acertar manobras até o fim de semana, ou pra ser ‘a melhor do skate’ em dois ou três anos, ou pra participar de todos os campeonatos e sair num pódio.” Para ela, o skate está para além de competição, mas tem a ver com o prazer de se praticar o esporte e reforçar o convívio social.
Porém, nem tudo são flores – dizia o popular. Embora ela reconheça que o círculo social, em geral, seja de uma “comunidade que se apoia e se abraça”, Mariana relata alguns dos inconvenientes que teve de superar no meio dessa ainda pequena trajetória.
“É MUITO DIFÍCIL”
A jovem relata como a falta de incentivo para com o público feminino dificulta à aderência da prática do skate entre as mulheres. “Já ouvi muito, por exemplo, que não é esporte pra mulher. Que mulher tem que fazer ballet ou, no máximo, tentar um patins. Sempre tem aquele clima de ser ‘só uma gracinha’ e nunca ser levada a sério.” A skatista ainda afirma que chegou a ouvir de pessoas próximas que sua “falta de evolução (no skate)” é devido a ela ser menina.
Ao Diário, ela diz que já chegou a pensar em desistir. Mas ao não se dar por vencida, começou a buscar em si mesma uma espécie de motivação. E hoje, através da rede social Instagram, ela tenta despertar o mesmo incentivo em outras meninas para que, caso tenham vontade de experimentar a atividade, possam tentar praticar o esporte.
“É muito difícil as portas se abrirem para o público feminino. Acredito até que depois dessa reviravolta das Olimpíadas, com as pessoas vendo as meninas andando de skate, isso vai mudar”, expressa.
Da falta de incentivo à motivação pessoal, Mariana tenta hoje ser mais do que uma skatista ‘de manobras’ ou até mesmo quem sabe, uma ‘campeã do esporte’, mas enxerga nessa vontade de querer conquistar seu espaço, uma forma de incentivar outras meninas a saírem de casa e enfrentarem estes receios por causa do preconceito.
“A presença feminina dentro do skate e de qualquer outro espaço em que as mulheres queiram estar é uma ótima realidade do nosso tempo. Hoje, a campeã mundial e a vice-campeã mundial de Street são brasileiras. Temos seis representantes entre as 20 melhores do mundo no Street e outras três no Top 20 do Park. Isso sem falar de tantos outros nomes de destaque no cenário nacional que, em pouco tempo, também estarão representando o skate brasileiro pelo mundo. Toda essa projeção só incentivará ainda mais meninas a andarem de skate.” – Tatiana Lobo, diretora de Comunicação da CBSk, em entrevista ao Dibradoras – Portal UOL.
Samuel Chagas / Foto: Thiago Fontana/Neto Cassab