É como a vida da gente. A receita para se entender a arte moderna e contemporânea é justamente não ter receita. Como os artistas, rompendo regras, quebrando tabus e padrões, expressando mil coisas ou coisa nenhuma, mas sempre falando mais ao espírito de uma época complexa como a nossa, acelerada, implacável, sem fronteiras. Se fosse simples, não seria arte, se fosse só bonita, não seria moderna.
Era uma tarde qualquer de um dia qualquer nos idos de 1917. Num misto de inquieto e apreensivo, o pintor, escultor e poeta francês Marcel Duchamp tentava pensar em alguma boa criação para enviar a um salão de artes dos Estados Unidos. Entre um copo e outro, um pensamento e um cigarro, um biscoito e mais um gole, a ideia surgiu. Genial! Um raio que atingiu-o bem na fronte e o convenceu a executar o que parecia ridículo.
Um reles urinol, em sua insignificância útil de banheiro masculino, foi alçado, assim, num estalo, à condição de obra de arte. O gesto iconoclasta, rebelde, revolucionário demais não foi entendido pelo júri altamente especializado (!?) do festival. O urinol foi rejeitado! Especialistas dizem que foi aí, nessa hora, que inaugurou-se a Arte Contemporânea.
O furor em torno do gesto de Duchamp fez repercutir seu nome em todo o mundo e, instantaneamente, ganhou adeptos de um novo modo de se fazer arte: o ready-made. “A Fonte” é das primeiras obras de arte que se tem notícia que está baseada nesse conceito de ready-made: pensada inicialmente por Duchamp, que enviou-a com a assinatura “R. Mutt” – fábrica que produziu o urinol.
Por trás de muitas obras abstratas, modernas, contemporâneas, há um discurso, ou mil deles, ou milhões. A beleza da arte moderna está justamente na possibilidade de emprestarmos nossos significados mais íntimos àquilo que vemos, sentimos, cheiramos, ouvimos, pressentimos.
O movimento crescente em exposições de grandes artistas em museus ao redor do mundo demonstra um interesse crescente das pessoas comuns em arte, à medida que o século 21, frenético, avança. Um “surto de interesse”, nas palavras de Richard Cork, historiador da arte, crítico e curador de arte na Inglaterra.
Mas essa explosão de interesse carrega consigo um paradoxo. Basta reparar numa dessas grandes exposições que poucas são as pessoas que se detém por algum tempo diante de um quadro, uma instalação etc. A maioria dos visitantes passeia pelas exposições e pelos museus com uma rapidez desconcertante. Parando aqui e ali diante de imagens específicas antes de retomar a caminhada. Daí vem talvez a rejeição inicial que a arte moderna provoca nos menos entendidos. É preciso deixar-se seduzir, provocar-se.
À primeira vista, um quadro de Pollock, por exemplo, aos olhos menos treinados pode parecer apenas um emaranhado caótico de riscos de tinta e cores jogadas ao léu em uma tela, nada mais.
A forma com que Picasso subverte a geometria e a perspectiva, nos rostos e corpos cubistas podem causar à primeira vista repulsa, num quadro como o célebre óleo sobre tela Guernica. E é isso mesmo. O horror do bombardeio à cidade espanhola pelos alemães em 1937 não poderia ser retratado em sua essência não fossem as formas retorcidas e poligonais do pincel de Picasso.
As linhas retas que se cruzam ao acaso e cores metodicamente distribuídas em um quadro de Kandisnky podem nos fazer seguir a fila da exposição ou, para quem se dá a coragem de deter-se por mais tempo, o significado mais profundo de uma tentativa de ordem em meio ao caos de nossa alma, ou, quem sabe, pequenas pistas de como estava a alma do inquieto artista russo em plena Primeira Guerra Mundial. Por trás de cada quadro, mil textos e contextos, história e memória.
O sonho, a falta de ordem e método e as imagens bizarras, oníricas do ímpar Salvador Dalí, que parecem colar em nossas retinas, podem provocar e encantar numa medida além do que se imagina. Imagina, imagina…é só isso, detenha-se diante de um quadro o tempo necessário para imaginar, sentir.