Logo na sala da casa de José Ariovaldo Pereira Bueno o visitante avista um piano. O motivo é seu talento musical: é organista da igreja. Tocou com diversos cantores em Rio Claro. Pouco mais adiante, fotografias de diferentes períodos de sua atividade cultural ficam a mostra. Já foi rei do carnaval, agraciado pela Câmara Municipal, entre tantos outros louros que estão espalhados em quadros pelas paredes da casa.
Tradicional figura do movimento negro de Rio Claro começou a frequentar o Tambu quando criança. Os encontros aconteciam embaixo da figueira da igreja de São Benedito. Ariovaldo, que nessa época tinha cerca de dez anos e morava em Santa Gertrudes, percorria a pé o trajeto para chegar ao batuque 13 de maio, no São Benedito. “Eu vinha a pé. E era proibido pela polícia criança participar da dança, mas eu entrava no meio e quando o policial Pernambuco chegava eu corria”, disse ao Diário do Rio Claro.
Esse foi o início de sua trajetória nas batucadas, que ele explica que eram divididas em três rodas: tambu, samba de umbigada e samba lenço. Suas participações nas danças ocorriam no samba lenço, quando os pares se movimentavam segurando cada um, uma ponta de um lenço. “E era tudo muito na hora. Um cantava um ponto e outro respondia”, explica sobre o cantos da festa negra.
Aos 78 anos de idade, declarou que as danças afro nunca foram desrespeitosas, conforme alguns imaginam. “É uma dança de muito respeito com as pessoas. Trata-se de uma festa que celebra a data de criação da Lei do Ventre Livre, que permitia na época da escravidão que mulheres escravas tivessem seu filhos livres ao nascerem”, conta.
Ariovaldo, que atualmente é capitão da Congada de São Benedito, se refere à lei abolicionista, promulgada em 28 de setembro de 1871 e assinada pela Princesa Isabel. Esta lei considerava livre todos os filhos de mulheres escravas nascidos a partir da data da lei.
Esses encontros embaixo das figueiras foram se acabando, sobretudo em função das intervenções da polícia na década de 1950. A história também está relatada na Revista do Arquivo número 9, de junho de 2012, editada pela então superintendente da autarquia Maria Teresa de Arruda Campos. Na publicação o texto do escritor Lucas Puntel Carrasco, intitulado “Seu Ari – Um Griô de tantas histórias”, narra que da igreja de São Benedito, a umbigada foi para o chamado Buraco Quente, que ficava na Rua 16 com a Avenida 17.
CONGADA
O capitão ressalta que a festa, desta vez como congada, foi retomada em 1974 e era coordenada por Antônio Barbosa, Marcilia Pedro de Oliveira, Emilia Franchia Gandolfo e Neusa Aparecida Barsotti. “Formamos a congada. Mas eu não conhecia a congada. Eu conhecia o tambu.”
Questionado sobre a diferença entre o tambu e a congada ensina: “o samba de umbigada, tambu, é uma dança do povo negro. Já a congada foram os jesuítas e os negros que criaram para exaltar São Benedito e Santa Efigênia”. Com o grupo da congada a primeira viagem realizada foi para Brotas, quando Ariovaldo era o Rei da dança. “A dona Florinda Araújo foi a Rainha da Congada”, lembra ao destacar que as atividades do grupo encerraram com a morte de Antônio Barbosa, que havia criado a iniciativa. O relato aponta que o ano era 1987.
Algum tempo depois, na administração do então prefeito Claudio Di Mauro, as atividades do tambu e da congada retornaram graças ao incentivo de Olga Mauricio Mendonça. “Desde então o grupo foi crescendo e hoje tem cerca de 30 membros. Nos apresentamos em vários lugares do Brasil. Uma das lembranças bonitas foi a apresentação em Aparecida, na semana de São Benedito que é padroeiro da cidade. Detalhe que aconteceu dentro da igreja de São Benedito.”
Em plena atividade, a cultura negra segue viva em Rio Claro e venceu diversos obstáculos para angariar respeito da sociedade. Muitos trabalharam e trabalham para não deixar a cidade perder sua memória. Ariovaldo é uma dessas pessoas, que ainda mantém viva e pujante as danças afro-brasileiras na cidade.