Neste 1º de setembro, o “Diário do Rio Claro”, dos mais antigos e principais jornais do Estado de São Paulo – e até mesmo do Brasil – está completando 132 anos (1886-2018).
Fundado pelo Major José David Teixeira (jornalista, romancista, poeta, inspetor escolar e vereador, com milhares de publicações de repercussão nacional), que foi casado com D. Sebastiana Cordeiro. Conhecido como Zé David, dirigiu o jornal por 48 anos. Quando circulou pela primeira vez, em 1º de setembro de 1886, a cidade de Rio Claro possuía cerca de 80 quadras (7.188 habitantes), num traçado limitado pelas avenidas 12 a 9, da Rua 1 à Rua 10, formando um polígono.
Naquela época, destacavam-se da paisagem urbana rio-clarense os casarões do Barão de Dourados, de Porto Feliz, do Visconde de Rio Claro e do comerciante João José Fernandes (dos Azulejos Azuis Portugueses); as residências de Siqueira Campos, de Tomás Carlos de Molina, e do Coronel Marcello Schmidt; os prédios das igrejas, do Theatro Phenix, da Cadeia – Casa da Câmara, da Estação da Cia. Paulista; e as Praças do Largo do Theatro, da Matriz, da Boa Morte, de São Benedito, Riachuelo.
No mês em que o “Diário” era fundado, relata Aloysio Pereira, “foram classificados para serem libertados, pela quantia de 10 contos de réis, 48 escravos, pela quota de emancipação no nosso município. A Companhia Estrada de Ferro do Rio Claro apresentava no mês de julho de 86, uma receita de 40 contos e uma despesa de 19… Seis imigrantes italianos, que estavam no alojamento provincial de imigração, chegaram a Rio Claro para os serviços da lavoura. Uma companhia portuguesa se apresentava no Teatro São José, da Capital, com o drama de Pinheiro Chagas de nome “A Morgadinha de Val Flor”, com camarotes a 10 mil réis.
O prêmio maior da Loteria Paulista era de 100 mil réis. Os jornais publicaram que um grande feito cirúrgico se realizou na nossa Capital: uma ovariotomia, onde foi empregado o novo método de lister de antissepsia. As costureiras usavam linhas de coser vindas da Inglaterra, vendidas aqui pelos agentes Victor Nothmann e CO. Uma corrida no Hipódromo Campineiro dava de prêmio ao cavalo vencedor a quantia de 10 mil réis. Um exemplar do Correio Paulistano custava 60 réis.
Consumia-se, em São Paulo, a deliciosa uva Moscatel do Douro, vinda de Lisboa. Uma novidade: era vendida na rua Imperatriz: lampiões elétricos para os caçadores. As pessoas abastadas da época bebiam vinho Chateau Latour, campanha Clicquot, Cognac Martell, Licor Maraschino, Rhum da Jamaica, cerveja alemã de Carlsberg. Comia-se salame de Lyon, salsichas de Cambridge e Oxford. Falecia, no Rio, o Conde de Mesquita, cuja fortuna foi avaliada em 15 mil contos, sendo considerado um dos homens mais ricos da corte. As moças e senhoras se perfumavam com os produtos da Atkinson, fabricados pela Old Bond Street.
O folhetim “A Hervenária”, de Xavier de Montepin, encantava as mocinhas da época no rodapé do Correio Paulistano. O uso das sanguessugas estava na moda… A madame Lynch, mulher de Solano Lopes, falecia em Paris… Quintino Bocayuva, Ubaldino Amaral e José do Patrocínio realizavam comício republicano no Teatro Lucinda, no Rio de Janeiro. Dom Pedro II preparava-se para visitar a região de Poços de Caldas. Em São Paulo, iria se hospedar na mansão do Conselheiro Antonio Prado; em Campinas, na casa do Comendador Geraldo de Rezende; e, em Poços de Caldas, no luxuoso Grande Hotel… Os endinheirados iam para a Europa no confortável navio “Provance”, da Companhia “Societé Generale”.
Direção
O Major José David Teixeira, fundador do Diário do Rio Claro, nasceu em Campinas, no dia 3 de maio de 1858, transferiu-se com a família para Rio Claro, fundando o Diário em 1886.
“Invariavelmente trajando terno cinza, chapéu da mesma cor, relógio com corrente sobre o colete, o indefectível guarda-chuva pendente do braço, o andar pesado e lento, as costas arqueadas pelos anos. Assim eu o via diariamente subindo a Avenida 1 em demanda da estação da Paulista, para esperar a chegada do trem das 11 horas que vinha da Capital”.
O Major, nascido em Campinas no dia 3 de maio de 1858, transferiu-se com a família para a nossa cidade. Prestou serviços na Tipografia do Dr. Eduardo de Camargo Neves e adquiriu o Jornal “O Tempo”, lá editado (folha semanal que se transformou no “Diário”, situado na Rua 8, esquina da Avenida 2, num velho casarão, fundos da Cervejaria Rio Claro).
Na cidade pequena e pacata, onde quase nada acontecia – a notícia buscada na Estação Ferroviária de quem chegava, de quem partia –, manter um jornal era tarefa dificílima, superada brilhantemente pelo Zé David, não obstante os diversos problemas técnicos e financeiros.
De pronto, as colunas da sua autoria, “Cabriolas” e “Ouvimos Dizer”, tiveram estrondoso sucesso. Sobre o assunto nelas abordados, declarou Aloysio Pereira: “… profligava a incapacidade, a desídia, a incúria, as omissões dos chefes políticos, dos prefeitos e dos detentores do poder municipal…”
A primeira composição poética, o soneto “Beijos”, de Guilherme de Almeida, “O Príncipe dos Poetas”, escrita no casarão dos Azulejos Azuis quando menino, foi levada ao jornalista José David que, tendo lido, exclamou: “este menino vai longe!”. Teve inédita publicação no “Diário do Rio Claro”.
Lembrado que, em 1920, a população de Rio Claro não alcançava 18 mil habitantes.
Conterrâneo de Campos Salles, Francisco Glycério, Prudente de Morais, Bernardino de Campos, Alfredo Ellis, Lopes Trovão, Silva Jardim, Lucas do Prado, Cerqueira Cesar, Coronel Gualter Martins, Teófilo de Oliveira, Carlos e Francisco Pinho, além de lutar intensamente para a Abolição da Escravatura (libertos nossos escravos antes mesmo da “Lei Áurea”), fez enorme propaganda republicana.
Lamentavelmente, em 1932, numa repisada ação criminosa, as dependências do “Diário” foram incendiadas, destruindo, assim, parte de seu precioso e inestimável arquivo, memória histórica rio-clarense.
Acometido de “syncope cardiaca”, o Jornalista Major José David Teixeira faleceu em 16 de março de 1934 e foi velado em sua residência, à Rua 5, n. 122. O féretro seguiu para o Cemitério Municipal, acompanhado por grande multidão e pelas Bandas União dos Artistas e União Comercial. Após adentrar na Igreja Matriz, onde era celebrada missa de corpo presente pelo Monsenhor Botti, o cortejo prosseguiu pela Rua da Consolação (recém criada, certamente, prolongamento da Avenida 5, por onde passavam todos os enterros, assim denominada por ele, coincidentemente, na “Cabriolas” de Sábado, dia 17, em alusão à rua homônima, em São Paulo).
Esta edição de sábado, aberta com um artigo do Dr. João Fina Sobrinho, anunciou a morte do Major David e ressaltou um traço brilhante de sua personalidade: “a bondade”. À tarde, no sepultamento, oradores proferiram emocionadas palavras. A família enlutada recebeu numerosas condolências através de telegramas, ofícios, cartas e cartões, tendo sido registrado seu falecimento por outros jornais do país.
Seu filho, Jodate David, assumiu a direção do Jornal, mas, infelizmente, faleceu em maio daquele mesmo ano. O “Diário” prosseguiu com as saudosas filhas Cecy, Zoraide, Davina e netos – sobressaindo os competentíssimos Mara e Paulo Jodate – perfazendo 72 anos sob a descendência desta honrosa e tradicional família rio-clarense.
Em 1956, na Praça defronte ao Cemitério São João Batista, ocorreu a inauguração do busto do Jornalista (de autoria do escultor Vilmo Rosada, em 1943, ficou exposto na vitrine da Casa Edison), em solenidade presidida pelo então Prefeito Augusto Schmidt Filho.
Cumpre lembrar que sua imagem também foi perpetuada na pintura de nossa mestra maior, a saudosa e inesquecível Profa. Ilara Luz Machado, exibida na redação do “Diário”.
O Jornal “Diário do Rio Claro”, ainda hoje acordado com o ideal do seu fundador, foi alienado em 1980 ao GRUPO ZANELLO, tendo à frente o destacado Diretor-Presidente Geraldo Leonardo Zanello e sua esposa, senhora Jacira Russo Zanello, que modernizaram totalmente o jornal, tornando-o apolítico e independente. Notáveis profissionais, também, seus Diretores, Jornalistas, Historiadores e Colaboradores. Dentre estes, Dr. Luiz Werhmuth Neto, Benone Julião Solha Ribeiro (repórter por mais de 60 anos), Walesca Werhmuth, Sílvia Venturolli, Natalino Marrach, Midiel Christofoletti, Aloysio Pereira, Maria Amélia Gardenal, Jairo Pimentel, Ivanira B. Prado, José Antonio Chagas, Luso dos Santos Ferro, Maria Antonieta M. Madureira e Ana Lucia Guarnieri.
Cumpre lembrar a composição poética, o soneto “Parabéns Velho Diário”, escrito pela extraordinária poetisa Celeste Calil: “Velho Diário, caminhando passo a passo/Gravaste no teu grande coração/Da história valorosa o seu compasso/Sua glória, seu viver, sua comoção/Venceste a esta história deste o traço/Do amor, perseverança – a tua lição/Plantada com ternura em teu regaço/Tem hoje, do teu povo a gratidão/Major José David, tua obra imensa/Refulge e traz consigo a recompensa/Ao teu fiel e devotado amor/E agora com Zanello e com Jacira,/O povo de Rio Claro aqui delira/Saudamos o Centenário com calor”.
Registre-se o recente falecimento da extraordinária e inesquecível jornalista Maria Antonia David, afetuosamente chamada por “D. Mara”, que muito contribuiu com a comunidade rioclarense.
Por Anselmo Ap. Selingardi Jr.
Perito Judicial em Arqueologia e Documentação Histórica
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