Pronto. A custa de muitas vidas, de um colapso nunca antes visto no nosso sistema de saúde, o discurso dos negacionistas e pseudo-teóricos “ultra-nem sei o quê” foi aniquilado pelos fatos. Há, é claro, ainda quem de forma tragicômica, afronta a realidade, como os soldados de Alexandre, o Grande atirando flechas contra o Sol, na tentativa de apagá-lo, para que o dia virasse noite.
Por trás do comportamento de quem ainda insiste em não usar máscara, em aglomerar-se em festas clandestinas, esconde-se alguém com muito, mas muito mais medo que o normal.
Sua atitude é uma nítida demonstração de negação do seu medo. E entre as possíveis reações diante do medo, essa de negar o óbvio, negar a ciência, é a mais covarde.
Quem nega as evidências do perigo e da letalidade do coronavírus, que rejeita todo avanço e descobertas da ciência, ainda não superou aquela primeira fase de uma infância sem limites. Age como aquela criança que coloca a mão nos ouvidos e grita para não dar chance de ouvir o que outra pessoa está dizendo.
Há, é bom que se diga, nesse momento pessoas que se arrependeram de ter defendido essas opiniões sem evidência, essa conversa que contaminou demais os fatos com ideologia barata. Que bom, acordaram do sono dos fanáticos e passaram a pensar com independência. Afinal, “a vida só é possível reinventada”, diz Cecília Meirelles em um de seus mais belos poemas.
É plausível nossa tendência a rejeitar aquilo que nos identifica, o que nos coloca em frente ao espelho. Fale sua opinião a um amigo negacionista e a chance de perder essa amizade é grande, principalmente nessa época de polarização política em que vivemos.
O negacionismo sempre existiu, não é novidade. O problema começa quando ele se institucionaliza, quando perigosamente vira política de governo e de seus integrantes.
Sem ideais a seguir, nem regras de comportamento preestabelecidas, há muita gente que se assusta com o mundo “pós-pós-moderno”. E acabam por virar reféns de um discurso tradicionalista, que idealiza um passado que nunca existiu. Não gostam da modernidade porque não encontram seu lugar nela. Aí, compram um discurso pronto, e perigoso, que fanatiza, que cega e leva a pessoa a não mais pensar por si mesma. É o clássico sistema já conhecido de se amparar em um guru, no qual a pessoa encontra o conforto da imagem de um paizão que cuida dela, e justifica sua tardia infância birrenta.
E como é sedutor o discurso que flerta com o totalitarismo. Porque nele cabem todas as frustrações e birras desses adultos infantilizados, alguns deles verdadeiros fracassos como pessoas, em seus valores, sem empatia, sem alteridades, ansiosos por uma autoridade que lhes dê a falsa sensação de colo.
A vida é dura, caótica e disruptiva em sua essência, em sua diversidade biológica e social. Para muitos isso é assustador. Daí a insegurança, o medo que leva ao comportamento de negar, até o ponto de defender a eliminação de quem pensa diferente. Negam até a razão como nossa melhor arma de sobrevivência e evolução no mundo.
Mas chega. Já estamos no dia em que tudo isso precisa ser perdoado, seja de que lado estamos. Diante de fatos tão brutais, diante de tanta tristeza causada pelas mortes de vítimas da Covid, do colapso da saúde, do colapso econômico e financeiro de muita gente, da miséria que se aprofundou ainda mais, é fundamental que se possa pensar em um Brasil possível, em que possamos nos olhar como irmãs e irmãos, filhos de uma mesma Terra, independente de nossas diferenças de pensamento. Temos que curar nossas feridas interiores, nossos abismos nunca antes explorados. E assim, nos curando como indivíduos, nos fortaleceremos como humanidade. Tendo em mente os versos daquela música dos Titãs, Epitáfio: “Nenhuma ideia vale uma vida”.