É o ressentimento de uma classe média que se sente enganada que move o autoritarismo. Foi assim com Mussolini na Itália, guardadas as devidas proporções e contextos.
Para a dita classe média frustrada com as complicações e corrupções do nosso País, é natural que ao elegerem Bolsonaro, tentaram dar uma resposta a si mesmos aos ressentimentos que perduram e se fortalecem mesmo passados mais de dois anos das eleições.
Quantas vezes você ouviu alguém, ou você mesmo, dizer que pessoas que recebem um Bolsa Família são privilegiados, porque se beneficiam do dinheiro de impostos que a classe média paga, ou mesmo que o Brasil não precisa de reforma agrária porque “esses sem-terra são vagabundos”. E quanta gente boa que você conhece que repete até hoje: “Ah votei no Bolsonaro porque ele era a opção. Não ia votar no PT de novo né?”
Esse ressentimento permanece cegando cada vez mais pessoas. Esse ressentimento passa por uma supervalorização do outro. Produz uma posição de aumento da capacidade de sonhar e coloca o raciocínio mais elaborado no modo suspenso, em detrimento da realidade dura e mais complexa.
Num primeiro momento de um passado recente, cerca de 42 milhões de pessoas mudaram de classe social no País. Passada a bonança, muitos desses regrediram com o sentimento de que tudo lhe foi tirado por alguém, de que foi enganado pelo governo que havia sido eleito.
Essa crise material e moral foi o terreno fértil para o ressentimento vir em sua forma mais dura, a narcísica. Alguns comerciantes que fracassaram, empresários falidos, funcionários que antes ganhavam bem e foram demitidos, pessoas que hoje são grandes devedores e se veem atolados nessa crise de identidade, preferem sempre colocar a culpa em fatores externos, na corrupção do País, que existe desde a sua fundação e na política de antes.
Nada melhor e mais fácil para um populista de plantão encarnar esse discurso para dar voz ao que antes essas pessoas só sentiam internamente. Passaram então a terceirizar seu pensamento, seu senso crítico, sua capacidade de análise e simplesmente rejeitam e demonizam o diálogo franco, aberto com quem pensa diferente.
Tive algumas experiências tristes com alguns amigos ao postar minha opinião sobre Bolsonaro e seu grupo. E muitos de seus defensores que considero conhecidos de longa data, não me apresentaram nada de novo na argumentação. Apenas parecem recitar uma cartilha, que lhes chegou quem sabe lá da Virgínia, nos EUA. Não há diálogo possível com um defensor da extrema-direita que hoje tenta governar o País.
Umberto Eco no seu ensaio, “O Fascismo Eterno”, lista entre as principais características de defensores de governos que flertam com o novo fascismo o medo do diferente e a oposição ferrenha à análise crítica. Não querem debate. Já sabem tudo sobre todos os assuntos, de como deve ser a política à esfericidade da Terra.
Atacam o jornalismo profissional, os veículos de imprensa, informam-se por memes, ou blogs dedicados a notícias falsas e financiamento duvidoso, rejeitam a ideia de gênero, defendem o machismo, a repressão e controle da sexualidade, e tem como norte a “exaltação a um líder”, já que pensam que nossa sociedade vive em constante ameaça.
Devo confessar que quase fui sequestrado por tudo isso. Depois da desilusão tremenda que tive ao ver Lula, PT e asseclas mergulhados em um mar de bandidagem, confesso, me senti tentado a aderir a esse lado. Mas trabalhei bem meu ressentimento com algo chamado Razão. Seria um caminho mais fácil, mas consegui fugir imediatamente do cativeiro mental.
Ah, já estou vendo. Eles vão dizer que o que estamos vivendo está muito longe de ser fascismo, que isso é exagero, mesmo porque naquele regime era o Estado quem controlava tudo e tal, a velha repetição. Mas, se não é fascismo em sua forma, é em seu conteúdo, ao se considerar pelas suas falas e atos. Bastariam algumas brechas nas instituições, e algum apoio internacional que o ex-capitão (“ex” de expulso do Exército) ia tentar realizar seu sonho e de alguns que o seguem.