A marca do nosso tempo é que a experiência comum não pode mais rivalizar com a ciência. O avanço científico ao longo dos últimos 300 anos de história é maior que os mais de 30 mil anos precedentes. Nesse curto período fomos tirados de certezas arraigadas a milênios.
Dizem que a humanidade sofreu duros golpes em sua ideia de se achar especial no universo. Primeiro, com Galileu e Copérnico, descobrimos que nosso planeta é só mais um entre tantos a orbitar uma estrela média, o Sol. Fomos tirados do centro do universo. Segundo, sem me ater tanto à cronologia dos fatos, as descobertas de Darwin mostraram evidências irrefutáveis de nossa descendência de um ancestral comum. Aí veio Freud, e notou que muitas das nossas ações ditas “racionais” são na verdade governadas pelo nosso inconsciente. “Algo pensa em mim”, como dizia Nietzsche
Não precisamos de Darwin para notar nossas semelhanças com outros animais, sobretudo os primatas.
Não controlamos totalmente nosso destino, nem nossos pensamentos em última análise. Assim como todos os outros animais, somos aglomerados de genes interagindo, combinando e se recombinando uns com os outros e como seus ambientes em permanente mudança.
Não há possibilidade viável de controle de muitos processos. Há os que preveem grandes avanços, como já abordei aqui, para controlar o envelhecimento, para viver mais. Mas há um longo caminho científico a se trilhar até lá.
Há em nossa sociedade notadamente científica, a ideia de que ao final a ciência irá nos salvar. De fato, não é uma esperança vazia. Na ciência e na tecnologia os progressos são reais, palpáveis, porém só aumentam o poder e o conhecimento do ser humano. O fato é que esse conhecimento e poder que advém dela, podem ser usados tanto para objetivos benignos quanto para os mais devastadores.
Boa parte da devastação da natureza que hoje vemos e sentimos, mesmo com tanto progresso científico, é fruto de se levar essa noção de progresso também para a ética e para a política. Colocar o homem no centro de tudo, como ser especial com uma natureza para lhe servir, esse antropocentrismo nos tem levado a essa tragédia ambiental. E sim, o cristianismo, da maneira como foi institucionalizado, bem como o humanismo, ambos têm sua grande parcela de culpa nisso tudo. Porque ambos dão ao homem a falsa ideia de serem superiores aos outros animais, nos separando da Natureza.
Um bom exemplo são os efeitos imediatos da chegada dos colonizadores cristãos ao Brasil, e toda a América, e o choque com os nativos, índios que em tudo e por tudo respeitavam a natureza vendo-se apenas como parte dela.
Hoje, com todo avanço científico-tecnológico e mesmo os avanços do diálogo e debate entre as religiões ocidentais podemos encontrar novos caminhos nos quais seja possível renunciarmos a nossa soberba, nossa crença infundada de que somos especiais.
É possível ser cristão e não achar que somos a joia da criação e de que tudo foi criado para nós.
Só seremos especiais de fato quando tivermos a capacidade, científica e moral, de consertarmos o que estragamos nesse planeta. E isso passa necessariamente pela construção de uma nova humildade, aquela em que reconhecemos que somos como os outros animais, que dependemos da Terra para viver e que o poder que temos sobre o meio ambiente não nos dá o controle sobre ele. Ou vai ver nem somos tão inteligentes assim.