Vivemos torcendo para o dia passar logo, para ir embora do trabalho ou da escola para casa. Vivemos querendo que o mês acabe logo, torcendo para que a semana passe logo para chegar o fim de semana. E, fingindo não perceber, você vai torcendo para que a vida passe depressa.
Quando se deparar com a dificuldade, desista. Seu relacionamento está indo mal? Troque. Afinal você foi feito para ser feliz. Esse parece ser o espírito da nossa época: ao mínimo sinal de que você vai sentir dor, se afaste. Esse é o espírito da nossa época. Parece ser bom, mas paradoxalmente nunca houve tanta gente deprimida, com pânico e outros transtornos de ansiedade.
Então, tais comportamentos hoje passam por normais e ganham cada vez mais adeptos, reforçados pelas redes sociais. Ali, amparados pela segurança do anonimato e da distância, posso deixar de seguir alguém, desfazer uma amizade, enfim, nada é feito para durar. Já não é mais “líquido”, como dizia o Bauman. Já virou vapor. Já houve a transição de fase para o “amor gasoso”.
Lógico, é sempre mais fácil fugir. Compromisso exige esforço, entrega, seja com um trabalho um relacionamento, uma religião. E nesse último quesito, há bons exemplos. Todo mundo quer praticar meditação, mas sem assumir a questão religiosa que vem das tradições milenares do budismo ou do hinduísmo, na qual renúncia, desprendimento material e libertação do ego são grandes pilares.
Há também um cristianismo empacotado. Nele não é preciso você perdoar “setenta vezes sete” quem lhe vez mal, ou mesmo, “amar seus inimigos”, ou ainda, se alegrar em tirar de você em prol do outro que precisa. Basta ir lá, e virar uma estrelinha dentro da igreja, ou dar o dízimo que lhe faz relaxar a consciência.
Compromisso, vida de verdade, exige muitas vezes encarar os conflitos. E para a psicanálise o conflito é a estrutura básica do desejo, do relacionamento com o outro.
Talvez no fundo da enorme quantidade de pessoas com pânico, depressão e fobias tantas esteja uma epidemia, não diagnosticada de transtornos de personalidade esquiva, ou “evitativa”. A principal característica é evitar ou temer exageradamente tudo aquilo que lhe causa conflito.
Venho de um curso de graduação em Física, onde esse tipo de comportamento fica bem evidente: ao menor sinal de dificuldade muitos desistem do curso. Entram 50, e formam-se 5, ou 7, quando muito, 10.
Há um modo de relação ascendente em nossa cultura, muito por conta dessa cultura digital de relacionamentos “sociais”, que facultam que diante de um momento de angústia, imediatamente passemos a evitar o outro. Deixa-se de seguir a pessoa, dando um “unfollow”, finge-se não visualizar a mensagem enviada, entre outras atitudes do “mundo vapor”.
E tudo isso ganha projeções análogas no mundo real. Evadir-se, esquivar-se, evitar parecem ser as palavras de ordem.
Essa personalidade evitativa baseia seu tratamento de ansiedades e medos, com base na tentativa de criar uma realidade suspensa para si. Ela vê toda a origem dos conflitos no outro, nunca nela mesma. E nessa tentativa de se blindar, vai enxugando o mundo ao seu redor. E a coisa em alguns evolui para o não sair mais de casa, o de evitar os espaços de socialização tendo em mente de que “o inferno são os outros”, nas palavras de Sartre.
Com isso, atrofia-se o principal mecanismo na mediação e solução dos obstáculos: a palavra.
E todo esse conjunto de comportamentos que levam ao modo esquivo de viver a vida perpassam para os modos como criamos nossos filhos também. A mínima dificuldade vão desistir, e encobrir a frustração por não terem conseguido escondendo-se dentro de si mesmos, evitando a vida e todas as suas nuances de alegrias e perrengues. Ofendendo-se à qualquer brincadeira. E no fim, evitando a si mesmos. Triste.
Viver de modo mais completo, “sólido”, pode ser justamente o contrário. Procurar amar tudo o que faz, a ponto de torcer para que o dia dure mais um pouco. É sentir pena de morrer um dia, diante da beleza do mundo e da vida, por mais difícil que seja a caminhada, assim, do jeitinho que ela é, com obstáculos, conflitos, alegrias e tristezas. E estar sempre na expectativa de que algo inédito irá acontecer!