Olá, amigos. Desta vez, escrevo de São Paulo, onde vim depois deste ano já ter estado na França, onde resido, Itália, Austrália, Barein, Azerbaijão, Turquia, Espanha, Mônaco, Áustria, Inglaterra, Suíça, Alemanha e Hungria, essencialmente acompanhando o campeonato da F1. Faltam mais nove etapas.
Pois é só chegar aqui e, de cara, tenho de explicar a membros da família, franceses, que no Brasil é assim. Um ex-presidente está preso, sentenciado a 12 anos de prisão pelo caso do tríplex do Guarujá, e seus advogados pedem ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) liberdade para participar de um debate com candidatos à presidência da república.
Como assim? Foi o que ouvi de meus familiares. Eu também me faço essa pergunta. Ainda há dúvida se ele pode ser candidato à presidência. Não é claro no Brasil se um condenado em segunda instância, cumprindo prisão, pode exercer cargo público, por ele, segundo a justiça, ter praticado atos ilícitos durante seu mandato de presidente. A saber, por favor: não tenho partido político. Não consigo enxergar sinceridade de propósitos na classe política brasileira.
E qual não foi a reação de meus familiares ao ficarem sabendo que em junho o mesmo fantástico poder judiciário brasileiro concedeu o direito de o deputado federal Celso Jacob, do PMDB do Rio de janeiro, exercer o seu mandato de parlamentar, mesmo estando preso no presídio da Papuda, em Brasília, condenado a mais de sete anos de prisão. Como prefeito da cidade de Três Rios, no estado do Rio, Jacob falsificou documentos e levou para casa uma bela bolada de dinheiro.
Eu é que peço, agora, aos amigos, uma explicação: como entender que o parlamentar trabalha no Congresso durante o dia, legisla sobre combate à corrupção, por exemplo, e à noite vai dormir na cadeia, por ter roubado enquanto exercia cargo público? Eu preciso esclarecer à minha família.
Em pleno recesso parlamentar, em julho, a bancada do seu partido, o PMDB, o chamou para fazer parte da Comissão Representativa do Congresso, grupo que permanece de plantão para resolver questões urgentes. Esse corporativismo está na base dos problemas brasileiros. Em vez de o partido expulsar um ladrão, conforme a justiça apurou, o acolhe.
E para não passar o dia na prisão, o convoca para fazer parte de um grupo que nada faz durante o recesso, mas garante a presença de Jacob na Câmara. Para não falarmos da absoluta loucura que é não cassarem o seu mandato.
Amigos, desculpe, o Brasil é um país surrealista. Não há caracterização melhor. Perdão. Há, sim: um país que perdeu a noção de causa e efeito, um país de líderes inconsequentes, distantes anos-luz da realidade dos verdadeiros propósitos de um homem público. Não há nacionalismo. Os interesses são pessoais.
É uma das piores classes políticas do mundo, como objetivos e mesmo formação acadêmica.
Não sabemos mais o que é permitido e proibido, legal e ilegal, possível de ser realizado ou não. Um ato contra os interesses da maioria que na milenar história da humanidade geraria uma punição exemplar, no Brasil sequer sabemos se aquilo é crime. Não temos noção do que acontecerá com os implicados. Podem até virar heróis e se reelegeram, como não raro acontece.
Os franceses que estão comigo – alguns entendem português –, não compreendem, também, como um ministro do STJ, Gilmar Mendes, libera o milionário empresário Oscar Skin, acusado das mais horrendas ações contra a saúde pública do estado do Rio, membro dos mais ativos da gangue do ex-governador Sérgio Cabral, cujos advogados vão pedir também a Mendes, em breve, a liberdade de seu cliente. Esteja atento à decisão do ministro.
Como é possível a uma nação ver grupos de cidadãos irem de madrugada ao aeroporto esperar a chegada do seu clube de futebol para protestar contra uma derrota, até mesmo ameaçando os jogadores, e ao mesmo tempo não fazer nada contra desmandos da justiça da dimensão dos exemplos mencionados? Qual a lógica disso tudo, por favor?
O STJ deveria ser cercado por milhares de pessoas para mostrar a vários de seus integrantes que enquanto julgam os acusados segundo seus interesses, ao mesmo tempo 200 milhões de brasileiros os estão julgando também, e com critérios muito mais coerentes. E que o povo reunido equivale a um tribunal com poderes muito maiores do que o STJ imagina.
Como é triste regressar ao Brasil e ver que não há nenhum movimento no sentido de dar um basta definitivo contra esse estado cancerígeno de inconsequência dos poderes.
Como eu amaria ver uma ação pacífica e organizada, consciente, bem estruturada, perseverante, para mostrar em especial ao STJ que há uma instância mais elevada que a sua, a do povo, cansado de ver parte de seus ministros simplesmente ignorarem o melhor para o país, descaradamente defenderem outros interesses.
Eu largaria tudo para me engajar a esse movimento. Seria o homem mais feliz do mundo se visse a justiça prevalecer em casos como o de Gilmar Mendes. Apurar com rigor extremo o que está por trás de suas incontáveis concessões de liberdade a assassinos, como a de Oscar Skin, crápula indiretamente responsável por inúmeras mortes geradas pelos desvios milionários de dinheiro na saúde do Rio.
E que depois, uma vez comprovados os interesses escusos do ministro, sua punição fosse algo sem precedentes na história brasileira. Não há outra maneira de o Brasil mudar. É preciso, primeiro, voltar a restabelecer o mecanismo de causa e efeito, resgatar os princípios da lógica que conduziu a evolução das sociedades nos últimos seis mil anos, ausentes no país.
Por Livio Oricchio