Eis que se vai o mês que mais aprecio. Já tive oportunidade de dizê-lo aqui. Mas agora, o faço novamente, ainda debaixo da coberta, tomando um chá de camomila bem quentinho, enquanto leio as chamadas de primeira página, da edição de hoje do Diário.
Emitir opinião, neste país, é colocar a cabeça a prêmio e fazer de penico os próprios ouvidos. Uma pena. Não deveria ser assim, um povo bom como o nosso. Mas o nível de tolerância entre os brasileiros desceu a rés do chão, desde que um senhor barbudo dividiu a nação entre nós e eles.
No Brasil, a disputa pelo poder político não acontece a cada 4 anos, mas, todos os dias. E uma disputa fratricida. Irmão desconhece irmão, cada um cuida do seu e salve-se quem puder. Lástima!
Com isso, o país sofre e tá quase parando. E tínhamos tudo para ser um grande país: gente boa, recursos naturais os mais diversos e terra fértil. E não fosse a falta de investimento em tudo que é público, a começar pela educação, e, depois, a saúde, a segurança, e hoje seríamos o império por essas bandas da América.
Quando isso irá mudar? Talvez, o dia em que o povo parar de transferir para seus representantes o poder que lhe pertence, e, de fato, exercê-lo.
Mas, falemos de coisas agradáveis. Descobri um ser estranho no forro do meu quarto. Ora, senão vejamos. De duas uma: ou dona Pomba resolveu fazer o seu ninho, no aconchego do forro branquinho de PVC ou o Sr. Gato, descobriu um abrigo bastante apreciável para suas noitadas. Morcego não há de ser, porque, semelhante a um conto de Edgar Allan Poe, ouço passos, na escuridão da madrugada, mais exatamente, na parte interna do forro, quando as luzes se apagam e, no aconchego do meu colchão sete vidas, eu me entrego solenemente aos mais doces sonhos que uma alma liberta de si mesma e dada à imaginação pode conceber.
Por sinal, não disse ainda, mas já vou dizendo, avanço celeremente na minha prazerosa tarefa de ler Madame Bovary, romance do renomado escritor francês Gustave Flaubert. Eu que já vinha criando certa antipatia pela dita senhora, devo confessar que, após ter lido os capítulos 11 e 12, realmente passei a detestá-la.
Por mais insatisfação com a vida e com o relacionamento conjugal que dona Emma pudesse ter, isso não é salvo conduto e não serve como justificativa para que madame se entregasse à uma promíscua e vergonhosa relação extra conjugal com um sovina aproveitador e falido como Rodolphe, que já no capítulo 14, prepara através de uma missiva, muito bem redigida, sua retirada à francesa, o que levará madame a uma síncope que a porá de cama, sob os cuidados de seu fiel e tolo maridinho, o doutor Charles.
Se eu tiver estômago, prosseguirei com a leitura. Faltam ainda alguns capítulos. O livro é brilhantemente escrito e literariamente falando é um prazer inenarrável a sua leitura. Quando atrevidos como eu, leem Flaubert se sentem envergonhados de sua tola pretensão por ser um escritor.
Contudo, não poderia terminar a coluna de hoje, sem mencionar outro prazer que a vida oferece àqueles que sabem apreciar o belo. Ouvi recentemente, pela primeira vez, duas belíssimas canções indicadas pelo meu bom amigo Orlando Rossi, um dos maiores conhecedores de música da nossa querida Rio Claro. A primeira é Hier Encore, na voz suave e romântica de Charles Aznavour, um poema ao amor. A outra, não menos francesa, é Le Feuilles Mortes interpretada por Yves Montand. Música que faz bem aos ouvidos. Raridade nos dias de hoje, e por isso recorremos ao passado.
Aliás, escrevo este último parágrafo, ouvindo, ao mesmo tempo, Hier Encore, e a mensagem de áudio de minha cunhada Lila. Coisa de escritor. Que Flaubert não ouça isso.