Em 1974, ano em que nasci, muitos sonhos já haviam acabado, bem de acordo com o decreto em forma de frase de John Lennon. A juventude da época, hoje pra lá dos cinquenta, já estava se casando e tentando se colocar no mercado de trabalho, tudo dentro dos padrões “como os nossos pais” que tanto condenavam. Um pouco antes dessa volta ao mais do mesmo, a década de 60 parecia inaugurar um novo encanto, passadas quase duas décadas da Segunda Guerra Mundial.
A ciência e a arte empenhavam-se em trazer uma nova maneira de se viver, prometendo menos trabalho e mais tempo de alegria. A democracia espocava em alguns países como um novo sol a iluminar os desejos da humanidade mais esclarecida.
O tempo passou e uma ‘liberdade’ empacotada nasceu com o ‘boom’ do mercado global que fez crescer na sociedade uma sede de admiração pela burrice disfarçada de senso comum. Muitos jovens inteligentes daquele tempo hoje são senhores solitários à procura de um afago, pensativos a contemplar o comportamento padrão dos filhos e o que foi feito do mundo.
Hoje a inteligência parece não ter mais lugar. Já a estupidez tomou conta e é vista com simpatia condescendente. E ela pode vir pelo Twitter, Facebook ou ainda por um livro de mais de mil páginas. O inteligente é um chato: só traz dúvidas com seus questionamentos. A inteligência e seus labirintos trazem angústia, desamparam. O asno não. Esse é bem-vindo. A burrice alivia, porque faz com que outro burro se console com a burrice alheia.
O que antes era o charme de uma época, hoje caiu no desuso. Quantos inteligentes da época dos meus pais abriram mão de tudo, fizeram concessões estapafúrdias em nome de cuidar da família, criar os filhos e já nem sabem mais quem são. Hoje ser inteligente acabou virando uma ameaça.
Leitura e formação de conceitos são hoje mais do que nunca uma atividade solitária. Tão solitária que acabam por provocar solidão.
“Asinum asinus fricat”, já observavam os romanos: o asno afaga o asno.
O novo lugar da inteligência é no circo. O intelectual virou atração e é apontado na rua com comentários: “Aquele cara ali, ó, é muito inteligente”. Ou ainda, “tá vendo aquele cara ali, ficou meio louco de tanto estudar”. Se for jovem, então, é segregado.
A epidemia anti-intelectual é diferente e mais perigosa. Há quem diga que “aprendizado demais pode ser perigoso” e alie essa bobagem ao que há de pior: o anti-racionalismo que prega a ideia de que “não existem coisas como provas ou fatos, apenas opiniões”. As duas mentiras se fundiram de maneira insidiosa.
Basta ver o obscurantismo que reina entre alguns grupos religiosos em não aceitar as evidências científicas da evolução das espécies. Enxergam nisso uma negação da própria religião.
Houve a inversão na caverna do Platão. Muitos que conseguiram sair desejam voltar para dentro dela.
Por Marcelo Lapola
Colaborador é jornalista e pós-graduando em Física pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica )
E-mail: marcelo.lapola@gmail.com