A novidade sugere medida de segurança preventiva para apaziguar rebeldias. Em 1860, o escravo Romão matara o administrador da fazenda Cafezal. Romão foi condenado à forca.
O jornal “Gazeta Rio-Clarense” em sua edição de 19 de julho de 1877 registra algo fora do comum para a cultura da época. O registro está incluído na divulgação em que o bissemanário informa que a cidade recebia a visita de celebridades como o Conde d´Eu, Visconde do Rio Branco e outros, hóspedes Cândido José de Campos Ferraz.
De quem se trata? Do Barão de Porto Feliz, que morava no casarão na esquina da Rua 6 com a Avenida 2. Era filho do Barão de Cascalho.
Até aí nada de muito especial. A comitiva visita o Gabinete de Leitura e assina o livro de presença. O gabinete havia sido fundado um ano antes e ficava em algum local da Avenida 1 até mais tarde ser transferido para sede própria na Avenida 4, onde hoje se encontra.
Ilustres que passavam pela cidade visitavam o local que era símbolo do progresso paulista e assinavam o livro, como viria a ser o caso do Imperador, que também o assinou.
O aspecto inusitado, que exige pesquisa para seu devido esclarecimento, e que destaca Rio Claro na cena abolicionista é que a comitiva seguiu para visita à fazenda Cafezal, “que tem uma escola de escravos”, conforme a notícia. Tanto o fato é contrastante com os valores culturais de uma época racista que o próprio jornal completa o registro assinalando que a fazenda mantinha trabalhadores europeus e ainda a escola “regenerando a raça escrava”.
A colocação feita pelo jornal confirma um dos argumentos que justificavam a escravidão como processo civilizatório, pelo qual o uso da mão de obra cativa era uma contribuição do mundo moderno para inserir os escravos na cultura ocidental. “A África civiliza o Brasil”, já dizia o ministro Bernardo Pereira de Vasconcelos nos anos 1830.
A citada fazenda Cafezal onde houve a escola mantida pela família do Barão do Cascalho e de seu filho, o Barão de Porto Feliz, produzia café desde os anos 1830, portanto foi uma das mais antigas da cidade. Era localizada onde hoje é região da Floresta Estadual “Navarro de Andrade”.
Há registros de que em algum momento a fazenda chegou a pertencer a Joaquim Salles, sem maiores detalhes. A propriedade era vizinha à fazenda Santo Antonio, esta vendida pela família do proprietário Rafael Tobias de Barros, o Barão de Piracicaba II, à Cia Paulista para formação do Horto Florestal fornecer madeira para a ferrovia.
O registro de 19 de julho de 1877 do jornal “Gazeta Rio-Clarense” foi republicado em 21 de julho pelo principal jornal da capital, o “Correio Paulistano” devido à importância dos visitantes e do fato apresentado.
O “Gazeta Rio-Clarense” havia sido fundado por Guilherme Kroenlein naquele ano de 1877, período de investimento de republicanos em imprensa no interior paulista. Bissemanário, seu lema o apresentava como “Órgão do Progresso” tendo como objetivo favorecer os interesses da agricultura, comércio e instrução pública, uma pauta republicana. Era impresso na tipografia “Rio-Clarense”, localizada na Rua 4, antigo número 31.
A manutenção de uma escola para escravos era incomum e expõe algo do espírito iluminista de monarquistas como os barões de Cascalho e de Porto Feliz, o que demanda pesquisa para avaliar seus vínculos com a escravidão. Ao mesmo tempo, e principalmente, sugere uma medida de segurança preventiva para apaziguar rebeldias. Em 1860, o escravo Romão matara o administrador da fazenda Cafezal. Romão foi condenado à forca.
A Constituição de 1824 previa, sem maiores efeitos, a educação pública do cidadão comum. Como os escravos não eram considerados cidadãos, ficavam excluídos da alfabetização. De maneira geral os fazendeiros condenavam a alfabetização de seus escravos por motivos que consideravam de segurança. Muitos se ressentiam de que com o passar dos anos, os escravos nascidos no Brasil não apenas dominavam a linguagem, mas absorviam ideias de direitos civis. Alfabetizá-los formalmente poderia implicar em rebeliões.
A primeira ideia que se pode ter para entender a origem da escola para negros em Rio Claro em 1877 remete à novidade do momento decorrente da Lei do Ventre Livre, de 28 de setembro de 1871. Para todos efeitos, a lei foi um embuste para retardar a Abolição, prevista para acontecer de forma gradual e lenta. Alguns preconizavam que a libertação dos escravos não poderia acontecer antes de 1930.
A Lei nº 2040 normatizava que os nascidos a partir daquela data seriam livres. Na prática os nascidos livres seguiram vivendo com os pais escravos e em iguais condições. A lei abria a perspectiva de serem constituídas pelos poderes públicos entidades que criassem os nascidos livre, a depender de iniciativa dos municípios.
Em consulta do governo central à Câmara Municipal se havia este tipo de instituição para cuidar das crianças negras em Rio Claro, a resposta foi negativa. Não havia, nem mesmo perspectiva de instituí-las. Nunca mais de tocou no assunto e ficou tudo por isso mesmo. As crianças seguiram nas fazendas. Antes dos negros nascidos livres atingirem a maioridade e terem condições de deixar as fazendas, foi proclamada a Abolição, em 1888.
Resta salientar que os beneficiados pela lei nasciam como cidadãos brasileiros, o que lhe facultaria o direito à educação. Mas isso era só uma ideia registrada em papel, sem efeito. No entanto, em Rio Claro a novidade por ter influenciado na origem da escola na fazenda Cafezal.
Nos anos 1870, os principais jornais publicados em Rio Claro foram: Eco do Povo (1873), Estrela do Oeste (1873), Correio do Sertão (1874), O Caipira (1875), O Futuro (1876), O Trem (1877), Gazeta Rio-Clarense (1877), O Alpha (1878) e Correio do Oeste (1880). Em 1886 foi fundado o “Diário do Rio Claro”, que noticiou a Abolição e participou ativamente da campanha abolicionista.
Por J.R. Sant´Ana / Foto: Divulgação