A trajetória das associações culturais e beneficentes organizadas por rio-clarenses negros tem seus primeiros registros a partir do ano de 1900. O samba de 13 de Maio foi removido da Praça de São Benedito nos anos 1930.
No Império
Ainda no Império é que foi organizada a primeira entidade local com objetivo de promover as condições sociais da população negra. Instituição religiosa vinculada à igreja da Boa Morte, a Irmandade de São Benedito é original de 1885. Negros se reuniam no espaço em que se formaria a praça desde antes.
Fora do perímetro urbano, o local era zona de exclusão para negros e mulatos, libertos ou fugidos. Ali foi ponto dos tradicionais festejos de “13 de Maio” até serem esvaziados a partir de 1939 e definitivamente depois de 1980. Uma das mais antigas tradições de Rio Claro se perdeu.
Em 1900
De poucas referências, mas citada por José Romeu Ferraz em seu álbum História do Rio Claro, de 1922, em 14 de janeiro de 1900 foi fundada a “Sociedade D.F. União Faz a Força” com a finalidade de promover socialmente a negritude. Comunicados da entidade aparecem seguidamente em jornais da época sem que seja possível identificar exatamente suas características.
A primeira diretoria era formada por Pedro Alves da Cunha, Paulo Francisco de Salles, Jovino Benedito Leite, Guilherme Servalino de Campos, Matheus Geral de Oliveira, Joaquim Luiz Mariano, José Eduardo da Fonseca, Adolplho de Lima, João Bento dos Santos, Antonio Cordeiro de Lima, Jesuíno de Assis Negreiros, Thetonio Augusto da Fonseca, Ludgero Cunha, Domingos Bernando do Nascimento, Adão Martins e Affonso José dos Santos.
Registros também de 1922, informam haver na cidade outra entidade, chamada “D. R. F Livro de Ouro”, com menos referências ainda. Pelo nome sugere ser uma entidade sem recursos e dependente de doações.
Período Vargas
No período de 1930 a 1945, que representou uma nova cena da política nacional com a queda da política dos coronéis do café e a tomada do poder por Getúlio Vargas, diversas entidades foram criadas em Rio Claro. As mobilizações já falavam em qualidade de vida e cultural dos negros por uma democracia racial. A pauta não era ostensivamente política.
Após o refluxo vivido a partir da ditadura de 1937, as mobilizações seriam retomadas em 1945. Com o fim da Segunda Guerra e a vitória da democracia liberal, terminava a ditadura Vargas. Estavam vencidas as teorias raciais nazi fascistas, que no período influenciaram na segregação dos negros no Brasil.
Anos 1930
Na década de 1930 foram formadas na cidade a “SDD 28 de Setembro” (1930), “SDD Progresso da Mocidade” (1934) e “Centro Cívico Luiz Gama” (1937). Seguiram-se outras, em geral por divisão das entidades originais. Ao que se nota, a atividade por organização social era grande.
Em uma cultura tradicional que privilegiava espaços aos brancos, segmentos negros buscavam se organizar para formar associações recreativas, educacionais e esportivas. Com o tempo, algumas assumiram um discurso político. O interesse por educação era marcante.
Frente Negra
A principal influência para aquelas associações vinha da entidade chamada “Frente Negra Brasileira” (FNB) com sede na Capital e que na época chegou a reunir perto de cem mil membros no estado de São Paulo.
A seguir, acompanhamos aqui referências em pesquisa realizada por Flávia Alessandra de Souza Pereira para identificar o processo histórico das referidas associações.
Edição do Diário do Rio Claro de 23 de fevereiro de 1932 publica divulgação em que Aristides Souza Santos e Higino Arruda convocam interessados para estabelecer uma delegação da FNB na cidade. Assim aconteceu. A partir de tal influência é que entidades se diversificaram.
Conforme eles, o objetivo da iniciativa era promover “os direitos dos negros no Brasil”, com base no trabalho conferido ao país, na história abolicionista e oferecer oportunidades de valorização moral e intelectual.
Na sequência, José Ignácio do Rosário foi nomeado por São Paulo para ser delegado da FNB na formada associação local.
Ele era soldado da Força Pública e ex-comandante de destacamento da polícia na cidade. A entidade mantinha sede com atendimento diário na Rua 4 antigo número 94, hoje, em frente à Sociedade Italiana, e uma escola noturna na Avenida 1 antigo número 141. A professora era a jovem Maria de Lourdes Rosário. No mesmo local, Júlio Lima dava aulas de música. Havia uma diretoria formada por mulheres.
Ao lado do secretário Aristides Assis Negreiros, além de José Ignácio do Rosário, a FNB de Rio Claro cidade era formada por Telesforo J. Alcântara Moreira, Manoel Domingues, Aristides Silva Moreira, Salvador José Silva e Saturnino Gabriel Corrêa.
Divisões
Influências ideológicas da
política nacional na época contribuíram para a dificuldade da associação
manter-se unida sobre como posicionar-se contra o racismo. As divisões
ideológicas nacionais refletiam-se nas associações negras, levando a divisões
internas. Intelectuais marxistas passaram a considerar FNB com tendências de
“direita”. Dava-se início ao proselitismo socialista ou comunista para
enquadramento de segmentos negros.
Em registro no Diário do Rio
Claro de 22 de maio de 1932 a FNB local registra dividir sua sede com uma
entidade chamada “SAA José do Patrocínio”, associação mais voltada para a
promoção de eventos culturais. Líderes dessas entidades debatiam se as organizações
deveriam ter finalidade apenas cultural ou serem abertas para uso de políticos
e propaganda ideológica.
Henrique Dias
Divisão da “SDD 28 de Setembro” deu origem à “Sociedade Beneficente Henrique Dias” (1932). Até ali, ambas ocupavam a mesma sede na Rua 10, antigo número 66. Na formação estiveram Hygino Lúcio de Arruda, João de Souza, Juvenal dos Santos, Lázaro Carneiro, André Gaudio, Mario de Souza, Jurandyr Mourão, Áureo Baptista, Waldomiro Gonçalves.
A nova entidade tinha em sua origem um grupo de teatro que contava com a participação da lendária banda de jazz “Os Batutas Rio-Clarenses”. Na formação por negros encontram-se de Samuel Kleiner, Juvenal dos Santos, João de Souza, Jurandyr de Souza Mourão, Lázaro Carneiro, Higyno Arruda, Oscar Lino, José Pitta e Viriato Santos.
Apesar de lendária, a memória de “Os Batutas Rio-Clarenses” não é prestigiada pela crônica local. Segundo a jornalista Thais Matarazzo, o pai de Dalva de Oliveira, Mário Carioca, fez parte da banda. O grupo fez shows para arrecadação de fundos para a causa paulista na Revolução de 1932 ao integrar a Legião Negra. Contribuía com recursos arrecadados para o Asilo São Vicente.
A Legião Negra, que em 1932 atuou em Rio Claro na mobilização e assistência à campanha paulista contra o governo Getúlio Vargas, recebeu o nome de “Frente Negra Henrique Dias”. Era divisão da FNB central. Esta, por sua vez, havia decidido não se envolver no conflito por considerá-lo reacionário e limitado aos interesses políticos das elites brancas.
Desmobilização
As atribulações do conflito dos paulistas contra Getúlio Vargas em 1932 desmobilizou as associações culturais negras em todo o país nos anos seguintes.
As atividades foram retomadas entre os anos de 1935 e 1936. Os jornais da época registram diversos eventos promovidos pelas associações como bailes, concursos para eleição de rainhas negras, noites musicais com jazz e samba, partidas de futebol entre brancos e negros e arrecadações destinadas ao Asilo São Vicente, além das festas no Largo do São Benedito, com diversos tipos de danças.
Os eventos recepcionavam caravanas que vinham de outras cidades, entre elas Jundiaí, Piracicaba, São Carlos, Araraquara, Bebedouro, Jaú e Bauru. As famílias visitantes vinham por trem, com vagões para negros. Os que eram ferroviários tinham passe.
Grupos começaram a ter participação organizada em desfiles de carnaval, até então limitado a desfiles de carros alegóricos dos clubes tradicionais.
Política
Em 1936, na primeira eleição municipal desde 1930, o candidato a prefeito Humberto Cartolano dá início à ampla cobertura das programações culturais negras através de seu jornal Cidade de Rio Claro e da Rádio Clube. Promove as associações, inclusive disponibilizando espaço físico para instalação de sedes.
Com seu vínculo aos segmentos negros, ele seguia na contramão da história local e nacional de viés racista, influenciada pela composição do nazi-fascismo na Europa.
A eleição municipal de 1936 foi a primeira depois da Revolução de 1930. Eleitos diretamente, os vereadores elegiam o prefeito.
Candidato pelo Partido Constitucionalista, Cartolano perdeu a disputa para Francisco Penteado Júnior, candidato do Partido Republicano, expressão tradicional dos coronéis do café.
Do novo prefeito, as associações negras não conseguiram apoio equivalente ao de Cartolano. Naquela administração a festa de “13 de Maio” foi transferida do São Benedito para local distante do centro da cidade.
13 de Maio
O famoso “Samba de 13 de Maio” começou a ser removido da Praça de São Benedito em 1936 e ali sobreviveu até 1938. Em 1939 foi realizada sua última edição, com celebração de missa e romaria da saudade para culto dos antepassados no Santo Cruzeiro do cemitério municipal.
Às portas da ditadura do Estado Novo, que em 1937 fechou os partidos políticos e também a “Frente Negra”, em Rio Claro foi inaugurado o “Centro Cívico e Beneficente Luiz Gama”, em 9 de outubro.
Luiz Gama
Notícia de duas páginas de um jornal de Rio Claro estima que a nova associação reunia 3.210 associados.
A sede era no antigo “Glória Rink”, local a ser historicamente identificado. Talvez fosse imóvel do próprio Cartolano ou de alguém ligado politicamente a ele.
Francisco Lucrécio, secretário geral da “Frente Negra Brasileira” participou da inauguração da nova entidade rio-clarense.
A diretoria era formada por Hygyno Lúcio de Arruda, Francisco de Arruda, Sebastião Almeida, Aristides de Souza Santos, Cumercindo Jacynto, Mário Ferreira Faria, Mesias Franco e outros.
Nome expressivo da história
nacional, Luiz Gama foi mulato, jornalista e é considerado o Patrono da
Abolição da Escravidão no Brasil. Rompeu com a campanha republicana quando os
coronéis do café esvaziaram a questão abolicionista do programa de governo da
República.
Fim de uma tradição
A “Festa de 13 de Maio” foi definitivamente removida da Praça de São Benedito em 1939 e transferida para o Largo de São Roque, na Avenida 5 entre as ruas 12 e 13, onde hoje há uma escola.
A transferência deu-se por alegada avaliação de que a praça já fazia parte da área da central e não seria adequada para festas do tipo africano, com suas músicas e danças.
Na prática, os motivos para o fim da festa eram dois: os negros haviam apoiado o candidato que perdeu a eleição e o padre não queria folia na porta da igreja.
Em forma de quermesse, festejos pela data foram retomados anos depois. As comemorações de “13 de Maio” na Praça de São Benedito marcaram forte tradição na cultura da cidade com detalhes a serem pesquisados.
Por J. R. Sant´Ana / Fotos: Divulgação