Olá amigos. Escrevo esse texto enquanto voo de Zurique a São Paulo. Estamos já nivelados a 30 mil pés, cerca de 10 mil metros. Estou sem acesso à internet. Vou trabalhar à moda antiga do jornalismo. O arquivo essencial de consulta é o pessoal, o que temos dentro de nós mesmos.
Como sempre lembro aqui, sou jornalista do GloboEsporte.com e sigo as corridas de F1. Mas faz pouco tempo, 30 anos, 22 deles como correspondente do Estadão. Agora regresso ao Brasil por causa da pausa no calendário. Estivemos em cinco GPs em seis fins de semana seguidos, uma maratona.
O meu amigo Edison Cortêz vai me perdoar por o tema de nossa conversa, aqui, ser a F1, sempre abordada por ele. Mas acredito que vai me entender porque o meu enfoque não é esportivo. Gostaria de mostrar um lado do evento que nem todos conhecem.
Em janeiro do ano passado, o grupo norte-americano Liberty Media completou o pagamento que 8 bilhões de dólares e assumiu o controle dos direitos comerciais da F1. Em outras palavras, tornaram-se os novos donos. Dispensaram, de cara, o maior responsável por a F1 ter se transformado em um esporte global, milionário, o inglês Bernie Ecclestone, de 86 anos.
A empresa criada por Ecclestone para administrar a F1 é a Formula One Management (FOM). Na realidade faz parte de uma da holding. Desde janeiro do ano passado quem a controla é o Liberty Media. Os americanos gerenciam um faturamento de 1,2 bilhão de dólares. As fontes desse dinheiro são as taxas cobradas dos promotores de GP a cada edição da prova. Na Europa o custo é de 23,5 milhões de dólares, exceto Mônaco, que paga bem menos.
Isso mesmo, cada vez que um país organiza um GP seus promotores devem pagar essa taxa. As novas nações que entraram no calendário da F1, como Barein, Emirados Árabes Unidos, através de Abu Dhabi, China, Azerbaijão, Cingapura, pagam bem mais, 40 milhões de dólares.
Outra fonte de receita é a venda dos direitos de TV. A Sky britânica e a italiana pagam a FOM, por exemplo, 57 milhões de dólares por ano, mesmo cobrado da Fuji do Japão e da RTL, Alemanha. Esses são alguns exemplos. Há outras fontes, como a exploração de espaço publicitário nos autódromos e associação de nomes de empresas aos da F1, como fazem agora a Rolex e a Heineken.
O Liberty Media investiu 8 bilhões de dólares para assumir os direitos comerciais por acreditar que o potencial de arrecadação da F1 é muito maior. Fizeram um investimento. Fecharam um negócio.
Chase Cary, designado pelo Liberty Media para ser o seu principal executivo na F1, diagnosticou logo que Ecclestone cometia erros crassos, como ignorar, por exemplo, as mídias sociais e não se preocupar em conquistar os jovens. A idade média dos interessados por F1 é perigosamente elevada, mais de 30 anos.
Agora onde mais desejo chegar, depois dessa explicação necessária. Passado um ano e meio de Carey e seu diretor comercial, Sean Bratches, também americano e da mesma forma sem nenhum conhecimento prévio do complexo universo da F1, na condução do evento, ambos já viram que os planos mirabolantes de revolucionar a F1 podem não sair do papel.
Carey e Bratches já entenderam que negociar com europeus é muito diferente de com americanos, com quem estavam acostumados. A resistência às mudanças dos europeus, dos representantes das equipes de F1 e mesmo da direção da Federação Internacional de Automobilismo (FIA) já deve ter impressionado os homens do Liberty Media.
Eles chegaram dizendo que quando acabasse o atual contrato entre a FOM, as equipes e a FIA, no fim de 2020, haveria uma nova F1. O dinheiro seria distribuído de forma mais justa, não como hoje, onde os mais ricos, Ferrari, Mercedes e Red Bull, ficam com a parte do leão. Competir na F1 custaria bem menos. Os três times citados, os mais eficientes, investem no mínimo 300 milhões de dólares por ano. Gastariam menos, dando chance aos que não tem tanto dinheiro.
Mais: o regulamento seria concebido de forma a que quase todos os times pudessem pensar em vencer. Tudo como nas competições do automobilismo norte-americano. E bem diferente do praticado na Europa.
Enfim, teríamos a F1 dos sonhos, justa, igualitária, com vários candidatos às vitórias e corridas de resultados não previsíveis. Não acabou: haveria uma intensa divulgação de tudo o que se faz na F1 nas mídias sociais, a fim de conquistar o interesse dos jovens. Isso já está em curso. Esse conjunto de ações elevaria o interesse pelo esporte, atingiria um público bem maior e, em consequência, a arredação da FOM cresceria significativamente.
Pode até ser que assistamos, de fato, a alguns importantes avanços, mas essa F1 dos sonhos Carey, Bratches e mesmo o engenheiro contratado por eles, um especialista em F1, por seus títulos, Ross Brawn, já entenderam que aqueles planos originais de uma transformação radical não vai acontecer.
Os que levam para casa todo ano cerca de 170 milhões de dólares da FOM, como é o caso da Ferrari, e um pouco menos Mercedes e Ferrari, não vão concordar nunca em perder o que consideram seus “direitos”, em detrimento dos demais.
Não há indícios de que Carey, Bratches e Brown conseguirão tornar a F1 um esporte menos elitista, mais popular, com seus participantes tendo acesso ao sucesso. Provavelmente as vitórias e os títulos seguirão sendo prerrogativas apenas dos milionários, cada vez mais milionários.
Por Lívio Oricchio