De todas as atividades coletivas humanas a que tem maior ligação com a razão é a ciência. Muitas vezes a ciência, suas constatações e medições nos tiram da nossa ilhota de certezas e nos coloca de volta a um mar de incertezas. Mas, a capacidade que temos, porém, de conhecer os processos da natureza, de observar, fazer experimentos, e com isso avançar em tecnologia, em descobertas para o bem da humanidade justamente pode nos colocar numa ilha de maior controle sobre a vida.
Ansiamos pela descoberta urgente de uma vacina para o novo Coronavírus, e cientistas do mundo inteiro nas áreas de microbiologia, virologia, infectologia e afins trabalham incessantemente. Basta ver a quantidade enorme de artigos sobre o assunto enviados para publicação todos os dias.
É natural que os menos esclarecidos, muitos que não puderam ter acesso digno à educação científica ajam de maneira resistente a ela, e passem a refutá-la.
E boa parte de nós, cientistas brasileiros, em todas as áreas, sente-se especialmente desvalorizada.
Pelas redes sociais na internet o que se vê são poucos defensores da ciência e muitos dedicados a replicar teorias da conspiração, a defender crendices que tentam rebater o conhecimento científico estabelecido, mesmo o mais básico, como por exemplo o dos terraplanistas, para citar um exemplo bem conhecido.
O fazer científico no Brasil tem sido triste, melancólico a mim e a muitos dos meus colegas, que hoje mesmo em institutos e universidades de excelência estão deprimidos e se questionando sobre suas escolhas de vida. Não há admiração, por uma boa parte da população, muito menos ainda por alguns políticos em posição de decidir por nós.
Do atual governo federal, com os sucessivos cortes em bolsas de pós-graduação, está nítido o recalque e a tentativa de desqualificar as mulheres e homens que fazem ciência no País. Idelogizaram a ciência, inspirados pelas ideias de um certo ideólogo/astrólogo/filósofo cujo recalque maior foi não ter cursado uma Universidade, a dizer que todos somos esquerdistas, comunistas etc.
Talvez precisemos sair mais dos nossos muros, das torres de marfim em que alguns se encerraram, e arrancarmos de dentro do nosso coração uma defesa intransigente da ciência no Brasil.
Por que defendê-la é defender a razão. E aqueles que insitem em desprezar a ciência, desprezam na verdade a razão. E estes deveriam repensar o que fazem, pois, se argumantam contra a razão, de fato não podem estar usando a razão para construir suas críticas. Há também uma autocrítica a ser feita.
Falhamos desde sempre no Brasil em termos de divulgação científica. A Academia como um todo, meus pares, de maior ou menor graduação, tem uma resistência à atividade de explicar o que fazem para o público leigo, este em sua maioria financiador da ciência.
Preocupados com a reputação na restrita, exigente e seleta comunidade científica, recesosos em “não passarmos vergonha ante a nossos pares”, nos esquecemos o quão importante é o papel da divulgação. Talvez se fôssemos mais conhecidos do grande público, por aquilo que fazemos, maior admiração poderia haver por parte do povo. E é uma responsabilidade nossa, uma vez que é o povo com o dinheiro que paga em impostos que acaba por financiar nossos trabalhos, por meio das bolsas e salários.
Com mais divulgação, com a ciência brasileira tendo assim um rosto, dos brilhantes pesquisadores e pesquisadoras que temos, junto à população, talvez se tivéssemos maior apoio e admiração das pessoas.
E incentivados por esse maior apoio, poderíamos tentar estabelecer maior representatividade política. Se nossa Câmara Federal conta com tantas bancadas, da Bala, da Bíblia, Ruralista, por quê não uma bancada da Ciência?
A estrutura administrativa constituída nas nossas universidades públicas, sejam estaduais ou federais incentiva professores/pesquisadores a galgarem posições burocráticas como forma de ascenderem nas carreiras, para que no futuro possam se aposentar com salários dignos. Longe desse modelo mudar, muitos destes, poderiam se inspirar em tomar também o gosto por fazer boa política. Precisamos de bons defensores no Congresso e em todas as outras esferas de poder.
E só assim, muito do que “está aí”, parafraseando a gente sabe quem, poderia mudar. Mas ao que parece falta mobilização.