Prestes a completar 19 anos, o paulista Caio Pacheco tinha duas opções: aceitar o desafio de ir jogar em outro país antes mesmo de se tornar profissional ou sucumbir às incertezas de um convite tão encantador quanto assustador.
“Obviamente, uma situação como essa traz um pouquinho de apreensão, de dúvida. Mas, com certeza, a empolgação de encarar os obstáculos pela frente foi maior”, revela.
Dois anos depois, Caio superou todas as expectativas possíveis. Pinçado por um olheiro para defender a equipe de desenvolvimento do Weber Bahía Basket, de Bahía Blanca (Argentina), ele não apenas subiu para a equipe principal. Assumiu o protagonismo dentro do time e da liga argentina. É o principal cestinha (média de 19,6 pontos por partida) e assistente (6,1 passes para cesta por jogo) entre todos os atletas da competição. A evolução acelerada do armador tem explicação. Afinal, ele vem tendo a oportunidade de conviver, no dia a dia, com figuras emblemáticas da geração de ouro da Argentina, campeã olímpica em Atenas, em 2004.
Uma destas figuras é simplesmente o presidente do clube e idealizador do projeto, Pepe Sánchez, armador titular da seleção argentina durante aquele ciclo. O jornalista Fernando Rodríguez, do diário “La Nueva”, que cobre o basquete argentino há 25 anos, atribui à tutela do medalhista olímpico a boa campanha de Caio.
“Estar sob o olhar de Pepe permite a ele aprender diariamente com um dos melhores armadores da história do basquete argentino. Não há dúvidas de que Caio é uma verdadeira revelação. Tem muita personalidade e é o motor do time. Atrevido, valente e desenvolve novas facetas dia após dia”, opina.
A forma como o basquete é pensado na equipe também agiliza o desabrochar do jogo de Caio Pacheco. Segundo Rodríguez, diferentemente dos outros times, que focam mais no basquete de meia- -quadra, com as equipes atacando e defendendo bem postadas com os cinco jogadores, o Weber Bahía Basket pratica um jogo de quadra aberta, velocidade, produzindo muitas posses de bola, o que cai bem com os atributos de Caio. A filosofia permite um desenvolvimento individual maior a princípio, antes da integração para um basquetebol mais coletivo.
Para colocar em prática essas ideias, Pepe Sánchez teve a ajuda de outros grandes nomes da época mais gloriosa do basquete argentino. Outro campeão olímpico, Alejandro Montecchia, já passou pelo corpo técnico da equipe. Até a última temporada, o comando era de Sebastian Ginóbili, um dos irmãos que carregam o sobrenome mais famoso do basquete do país (agora, ele é treinador do Instituto Córdoba, semifinalista da Champions League Américas).
A última conexão é, ao mesmo tempo, a mais óbvia e a menos presente. Manu Ginóbili, o grande craque da história argentina, campeão em Atenas e também por diversas vezes na NBA com o San Antonio Spurs. Ele é de Bahía Blanca e, de tempos em tempos, acompanha alguns jogos da equipe. Assim, o inevitável acabou acontecendo: Manu presenciou uma das ótimas atuações de Caio e eles trocaram algumas palavras depois da partida.
“Na verdade, foi a segunda vez que ele compareceu a um jogo nosso. Na primeira, eu travei, não consegui pedir uma foto. Mas na vez seguinte eu falei para mim mesmo que eu tinha que pedir. Eu tinha jogado bem, ele quis me parabenizar, mas eu mal consegui ouvir o que ele estava falando. Era um dos meus ídolos na minha frente. Sempre quis ser como ele”, conta, aos risos.
O jogador que Caio ainda quer se tornar une características peculiares de cada um dos dois armadores titulares daquela que é provavelmente a melhor seleção sul-americana que já existiu.
“O Pepe é um cara muito mental, que conseguia ler muito bem o jogo. Já o Manu foi mais agressivo, ia muito bem ao aro. São coisas que eu busco pegar para mim”, diz.
Mudado e adaptado ao país vizinho, Caio ainda persegue muitas coisas na carreira
A preocupação por possivelmente ser recebido de forma fria devido ao fato de ser brasileiro durou pouco. Um preconceito bobo baseado na rivalidade do futebol, nas palavras do próprio Caio. O ambiente que ele encontrou foi muito propício para o desenvolvimento dentro e fora da quadra. Pessoas acolhedoras, uma cidade que o fez lembrar de onde veio (Rio Claro, no interior de São Paulo) e uma cultura de basquete que oferece muitas vias para um jogador crescer.
“Aqui existem muitos clubes. E a principal diferença é que eles jogam muito mais. Os clubes jogam muitos torneios entre si. É capaz de um garoto das categorias de base jogar até cinco partidas em uma semana. Ele joga na própria categoria, na de cima, depois na que fica dois degraus acima, entre os profissionais. Isso ajuda muito. É por isso que eles estão à nossa frente. Porque, em termos de material humano, o Brasil deveria sobressair, por ter uma população muito maior, várias genéticas diferentes. Mas isso não acontece”, acredita.
No Brasil, Caio Pacheco atuou pelas equipes de base de Limeira, Rio Claro e Palmeiras. Quem o observou naquela época, e agora o acompanha na Argentina, percebe mudanças. Léo Figueiró, atual técnico do Botafogo e da seleção brasileira masculina sub-21, trabalhou e morou em Rio Claro por nove anos. Conheceu Caio ainda pequeno. Ele atribui o crescimento do armador a um processo de amadurecimento físico.
“Ele sempre teve visão de jogo e inteligência para jogar. O que era questionável era a aptidão física, principalmente com relação à defesa. Antigamente, ele era até um pouco mais gordinho. Nesse último ano, ele evoluiu demais nisso. Era o que faltava para ele estourar. Leitura de jogo ele já tinha. O ‘boom’ dele foi por causa da parte física”, opina.
O fato de Caio ter mudado de país não impossibilitou que o técnico continuasse a acompanhá-lo de perto. Caio fez parte da equipe convocada por Figueiró para o Sul-americano sub-21 em 2019, saindo com o título. O próximo e lógico passo é chegar à seleção adulta. Caio não esconde que pensa nisso, mas como uma consequência. E ele pode ficar otimista. Afinal, Figueiró também é assistente técnico da seleção principal.
“Isso cabe mais ao [Aleksandar] Petrovic [técnico da seleção]. Mas tem uma lista estendida com vários jovens e ele está. O Petrovic falou que conta com os veteranos, mas no próximo ciclo com certeza ele vai ter oportunidades”, diz.
O outro grande objetivo que caminha de mãos dados com uma vaga entre os melhores do país é alcançar a NBA. Caio também quer isso, mas admite que nem sabe como fazer quando eventualmente quiser se inscrever no draft. O basquete europeu é outra possibilidade que o agrada. Ele não tira os olhos de alguns dos principais armadores do mundo, com um perfil bem determinado. Um deles é Facundo Campazzo, do Real Madrid, titular da Argentina na campanha do vice-mundial de 2019, de 1,79m. O outro é Trae Young, do Atlanta Hawks, que preenche os 1,85m com um porte físico franzino.
“O fato de o Campazzo dominar duas das melhores ligas do mundo (espanhola e europeia) com a altura que ele tem é impressionante. Já o Trae Young é um cara muito legal de assistir porque não é tão físico, mas consegue produzir muitos pontos e assistências”, comenta Caio.
Ambos têm como característica a criatividade e a visão de jogo para construir jogadas e a precisão nos arremessos de longa distância. Na atual temporada da Liga Nacional de Básquet (primeira divisão argentina), Caio tem tido um aproveitamento abaixo da média nas bolas de três (29.7%). Por outro lado, sofre muitas faltas e cobra muitos lances-livres, estando no top 5 em ambos os quesitos. Com 1,87m de altura, tem estatura mediana para a posição.
A NBA apresentaria defensores mais físicos que podem negar o caminho para infiltrações. Mas cada vez mais a liga se abre a atletas que sabem o próprio papel e jogam com inteligência, dois atributos de Caio. A questão física seria um desafio considerável, não intransponível. De qualquer forma, o jogo do brasileiro parece casar perfeitamente com o praticado na Europa, com menos ênfase em atleticismo e mais nos fundamentos.
“Ele está trilhando o caminho ideal para isso, se fortalecendo física e mentalmente, aprendendo com os erros. Mostra frequentemente que quer se superar. Para se consolidar definitivamente, o ideal é que siga no Bahía Basket por mais alguns anos”, opina o jornalista Fernando Rodríguez. Um período prolongado pode criar laços ainda mais fortes de Caio com a Argentina.
Ele já vem se acostumando a tomar o mate, deixou o cabelo crescer e até fala o português com um leve sotaque argentino. Mas, aparentemente, não há riscos de o Brasil deixar de colher os frutos dessa evolução. É a crença de Léo Figueiró. “Não, não tem nenhuma chance de ele virar a casaca [risos]”.
Por Agência Brasil