Rio Claro contou com expressivo movimento socialista desde o início dos anos 1900. A versão comunista chega à cidade na década de 1930, inexpressiva. Na ditadura de Getúlio Vargas a perseguição torna-se institucional e tem ação local. Nos anos 1960, a caça a comunistas fez vítimas cidadãos locais que apenas reivindicavam direitos trabalhistas. Durante a Guerra Fria, não havia meio termo.
No texto
O período aqui observado abrange as décadas de 1930 a 1950. A fonte é parte de documentos do Arquivo Público do Estado de São Paulo sobre investigações contra comunistas e outros do acervo da Delegacia de Ordem Social do Departamento de Ordem Política e Social (Deops) da Polícia do Estado de São Paulo.
Revisão
Há condições para se considerar que os investigados e perseguidos em Rio Claro não eram exatamente comunistas de carteirinha. Eram cidadãos investidos em causas trabalhistas que acabaram sendo vítimas da propaganda política movida pela Guerra Fria no período de Getúlio Vargas. Muitos eram ferroviários. Uma mulher sindicalista foi perseguida e difamada.
Mundo
Na época o mundo não tinha conhecimento exato do que acontecia no opressivo regime da União Soviética. Os crimes da política russa só vieram a ser conhecidos no final dos anos 1950 e mais amplamente após a queda do Muro de Berlim, no final da década de 1980. Até então sobrevivia a crença de que o comunismo seria uma nova opção para a economia internacional e uma plataforma de defesa trabalhista e da cidadania.
Normalmente tem-se que o mérito comunista no mundo foi conseguir direitos trabalhistas. O que é plenamente contestável, porque a causa fora precedida por liberais, socialistas e anarquistas, e depois pelos fascistas. Vale ressaltar ainda que todos esses precursores do trabalhismo foram perseguidos pelos comunistas, que não queriam dividir o mundo com ninguém.
Brasil
A perseguição aos comunistas no período Getúlio Vargas pode ser entendida como expediente para se criar um fantasma com a finalidade de justificar uma ditadura. Tanto é que os vermelhos nunca conseguiram sucesso em mobilização popular que ameaçasse o governo.
O auge de filiações ao PCB foi em 1945 graças à propaganda a favor pelo fato da Rússia ser considerada a grande vencedora dos nazistas. Péssimos estrategistas, todas as tentativas de golpe dos comunistas no Brasil fracassaram. Na prática, só justificaram os desmandos da direita e contribuíram para piorar a política no país.
No Brasil os comunistas se organizaram em partido a partir de 1920. A agremiação ganhou expressão nas décadas seguintes e logo foi proscrita. Sobreviveu na clandestinidade, experimentou curtos períodos de legalidade e depois da turbulência dos anos 1960 foi desbaratada pelo regime militar. Como a redemocratização do País no início dos anos 1990, o inexpressivo desempenho eleitoral levou ao esvaziamento do partido original e sua mutação para siglas populistas.
Rio Claro
Em documento de Rio Claro à Secretaria de Segurança Pública datado de 1936, o delegado da cidade secretamente identificado apenas pelo código M1 avalia que o município é politicamente inexpressivo e não merece maiores preocupações quanto à ação de comunistas e outros agitadores. Ele aponta ainda características de figuras locais e comenta a rotina de líderes políticos, vereadores e membros do poder.
Para provar a inexpressividade política da cidade, o espião relata que foram fracassadas as tentativas da esquerda para estabelecer um núcleo local da então chamada Aliança Libertadora Nacional (ALN), associação disposta a enfrentar a ditadura de Getúlio Vargas.
Segundo informa o investigador, “as sessões da Câmara Municipal não despertam interesse”. Com isso, ele toma o Legislativo local como termômetro para medir a temperatura da política. Passividade à parte, ele, como autoridade, proíbe o porte de armas durante as sessões da Câmara Municipal. O pessoal costumava andar armado e a usar as armas de vez em quando.
Panorama
Vale lembrar que ao longo do período ditatorial, de 1930 e 1945, a situação política era de grandes conflitos. As câmaras municipais foram fechadas e os governos municipais eram tocados por interventores, entre eles, militares. As fotos deles encontram-se na galeria da Câmara Municipal.
Por época do documento do delegado, o que acontecia em Rio Claro era o seguinte. Superada a fase da primeira intervenção iniciada em 1930, em 1935 o governo local esteve sob a intervenção de Humberto Cartolano. No ano seguinte, em 1936, houve um rascunho de democracia com a volta de eleições para vereadores. A coisa durou pouco. No ano a seguir a ditadura voltou com tudo. Mais feroz. Só terminou com a deposição de Getúlio em 1945. Ainda depois, com trégua de dois anos, a perseguição aos comunistas foi retomada em 1948. Rio Claro viveu tudo isso intensamente.
Investigações
Voltando agora ao delegado que à espreita de comunistas vigiava a Câmara Municipal durante o breve período de democracia em 1936.
Como agente do serviço de inteligência da polícia, o delegado avaliou ao governo central que na cidade “os ferroviários são disciplinados e não representam risco à ordem social”. Os movimentos grevistas foram menosprezados. Estavam ok, nos limites democráticos.
“Alguma intenção extremista”, o delegado observa tão somente no ferroviário e mestre de pintura Herzílio Curriguaz, “agitador inculto que não merece a atenção nem de seus amigos”. E ponto. Ao que parece, não valia nem a pena ir atrás.
Freguês nos relatos da polícia política, ao longo dos anos de perseguição, Herzílio ora era apontado como perigoso ora era desprezado nos relatórios que investigavam sua “importância comunista”. Ele havia sido preso por época da Intentona Comunista (1935), para logo ser liberado pelo governador Armando Salles de Oliveira em visita oficial a Rio Claro.
A referida Intentona faz parte da história como o mais retumbante fracasso estratégico em que o líder comunista Luiz Carlos Prestes tentou derrubar o governo. O que conseguiu foi apenas queimar definitivamente o movimento comunista no país. A direita aplaude até hoje.
Extremistas
Em seu relatório secreto, o misterioso delegado menospreza também a versão sobre a importância local dos maiores inimigos dos comunistas, os, então, conhecidos como integralistas, direitistas seguidores nacionais de Plínio Salgado, este pejorativamente chamado de Galinha Verde por usar uniforme com esta cor.
Plínio seria uma versão bananal de Adolf Hitler. Muito inteligente. Tem reduto de admiradores em Rio Claro até hoje. Parte de seu acervo documental encontra-se à disposição para pesquisa no Arquivo Municipal e Histórico “Oscar de Arruda Penteado”. Na cidade o grupo integralista era liderado por José Pires Pimentel de Oliveira Júnior, cujo nome mais tarde seria dado à Pinacoteca Municipal. Homenagem mais que justificada por tratar-se de pessoa de grandes méritos e um apaixonado pela cidade. Foi vereador entre 1956 e 1959.
Para o espião do governo Vargas, o delegado local, a influência política dos comandados de Pimentel Júnior e Antonio Bortolotti “é ínfima”. Como forma de justificar sua avaliação o agente diz que o partido dos integralistas “não reúne nem 100 pessoas em seus encontros, apesar da alegação de contar com mais de 200 filiados e de Rio Claro ser uma cidade integralista”.
A avaliação parece chocante porque derruba o mito desabonador de Rio Claro haver sido a “segunda cidade com maior número de integralistas do Brasil”. Tanto existe um mal entendido neste assunto que agora em 2014, em uma sessão especial da Câmara Municipal, o prefeito Du Altimari chegou a declarar publicamente “ter vergonha de ser rio-clarense” pelo fato de o município estar nacionalmente associado ao integralismo. Mas fica a ressalva, o delegado de 1936 iria acrescentar em seu documento do ano seguinte, em 1937, que o número dos seguidores de Plínio Salgado estava aumento na cidade.
Coronelistas
Sobre a cena local em que os extremos de esquerda e direita se debatiam nas versões comunistas e integralistas é preciso identificar quem ambos queriam derrubar do governo municipal. Pois, sim, eles eram contra os representantes da política tradicional que estavam no poder desde os tempos dos coronéis do café e como seus descendentes consideravam-se donos da cidade.
Por sua vez, os tradicionais donos do poder local também estavam divididos entre si em feroz disputada. Dois partidos dividiam a política rio-clarense, reunindo, em cada lado, comerciantes, profissionais liberais e representantes da classe média emergente.
O primeiro era o Partido Republicano Histórico (PRH), com Francisco Penteado Júnior e Wail Chaves. O segundo partido era dissidente daquele e também reunia representantes do antigo coronelato paulista com o nome de Partido Constitucionalista (PC).
A dissidência contava com a participação simbólica de Guilherme Prattes e na prática era conduzido por Humberto Cartolano. O delegado avalia que, ao contrário do prefeito Francisco Penteado Júnior, seu ferrenho adversário, Humberto Cartolano não ganhava a simpatia popular e por isso preocupava-se em melhorar a própria imagem.
Homem de imprensa, Cartolano foi o primeiro político a abrir espaços para promover a comunidade negra em rádio e jornal. Com a tática, tentou ser eleito prefeito em 1936. Não conseguiu. Na disputa, Francisco Penteado Júnior foi eleito. O prefeito era eleito pela Câmara Municipal.
Além dos grupos citados, havia outros personagens na política local. Eram os alinhados ao governo de Getúlio Vargas, portanto eram contra os comunistas, integralistas, coronelistas históricos e contra os dissidentes desses últimos. Eles eram João Fina Sobrinho e Benedito Pires Joly.
Ambos representaram a pauta revolucionária do governo na cidade por muito tempo. Joly foi vereador (1927 e 1930), duas vezes prefeito interventor (1930 e 1932) e uma vez prefeito eleito (1948). Fina Sobrinho lutava contra os coronéis desde 1924. Na frustrada tentativa da revolução paulista de 1932, ele não ficou com São Paulo. Lutou ao lado de Getúlio Vargas.
Na cena política de 1936, com o delegado espionando, a Câmara Municipal era presidida por Arthur Bilac e era boicotada pela da bancada dos correligionários de Cartolano. Em curiosa nota, o delegado registrou que “os vereadores do Partido Constitucionalista não comparecem às sessões pelo fato de Bilac haver sido eleito apesar de ter sido considerado inelegível pelo TSE”. O registro parece remeter à polêmica desencadeada na época por Bilac ter problemas com documentos que provassem sua nacionalidade brasileira. O que teria inviabilizado sua candidatura.
1948
Mas, voltando aos comunistas, os perseguidos de sempre. Com o fim da ditadura 1948 Mas, voltando aos comunistas, os perseguidos de sempre. Com o fim da ditadura em 1945 e mais um retorno à democracia, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) ganhou uma trégua por dois anos para cair na clandestinidade definitiva com sua proibição em 1948. A gota d´água para tanto teria sido uma entrevista em que Prestes declarou que em caso de guerra entre o Brasil e a Rússia ele apoiaria os russos. Nem foi preciso somar ao caso a ficha do revolucionário Carlos Marighella. É claro que foi um subterfúgio para fechar o partido.
Quando o PCB foi proibido, o Brasil dizia-se uma democracia constitucional, mas a perseguição aos comunistas corria à solta. A perseguição seguiu até 1980, quando o partido foi liberado em meio a grande apreensão nacional. Liberada a atuação do partido, foram ver, e era um bando de velhinhos que não ofereciam nenhum perigo. Nos anos 1990 o partido mudou de nome para PPS e abandonou o ideário comunista. Sobreviveu sua dissidência, o PCdoB, hoje agregado ao PT.
Amenidades
No curto período de legalidade do PCB, entre 1945 e 1948, quando não havia motivo para perseguir comunistas, a ação do Deops voltou-se para coisas mais amenas, como fiscalizar preços no mercado varejista.
Os relatórios de Rio Claro à Secretaria de Segurança Pública nesta área falam de combate ao câmbio negro. O delegado de plantão diz haver prendido por um dia Salomão Buchidid por dificultar a venda de açúcar e Antonio Bortoloti, Agostinho Hebling e Antonio Vechiato por desrespeito ao tabelamento de preços. Vencida esta etapa de amenidades, a perseguição aos vermelhos foi retomada.
Documento de 1947 registra o fechamento da sede PCB de Rio Claro, na Rua 1 nº 1564. Hoje o local é um terreno vago ao lado da SDD Cidade Nova.
Apesar de o processo ser de 10 de maio, o registro foi lavrado um mês depois. Ali se diz que a lacração da sede foi acompanhada pelo secretário local do partido, Antonio Almeida Rosa, e outros, todos na faixa de 20 anos de idade. Apesar do caso, Rosa acabou sendo eleito vereador. Ou seja, havia eleitorado comunista na cidade.
Na sede fechada em 1947, prédio de uma porta e uma janela, foram apreendidos um armário, uma mesa, cadeiras rústicas, uma Bandeira Nacional, uma foto de Luiz Carlos Prestes, material de propaganda e uma bomba, entenda-se bem, uma bomba de flit, marca de um repelente de pernilongos. No mesmo momento foi fechada a sede do partido em Corumbataí, sem acompanhamento de envolvidos.
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Por J.R. Sant´Ana / Foto: Divulgação