Meus bisavós, Pedro e Deolinda, atravessaram um oceano, vindos da Itália, em busca de dias melhores. Ela, ainda bem jovem, grávida de minha avó, Maria, que viria a ser a mãe de minha mãe. Fugiram, segundo consta, da fome e da miséria, em decorrência do terremoto que abalou Emilia Romagna, na região da Bolonha, ainda no século XIX. Aqui chegaram e, trabalhando duro, construíram uma vida.
De empregados, acabaram se tornando proprietários de uma chácara situada no bairro da Vila Alemã, que hoje não mais existe, porque fora desapropriada pela municipalidade para que se abrisse rua, por onde hoje, circulam automóveis, motocicletas, bicicletas e o ser estranho e inconveniente do trânsito brasileiro, chamado pedestre.
Minha mãe, uma jovem linda, alegre, bonita e sorridente, hábil com as mãos, fazia lindas peças de crochê, era também exímia cozinheira, adorava fazer doces e salgados deliciosos, tinha satisfação em aprender coisas novas, e gostava muito de ler. Porém, por volta de 42 anos, descobriu-se portadora de uma doença degenerativa, incurável. Morreu, aos 57 anos, acreditando, contudo, que ficaria curada.
E não media esforços para isso, sujeitando-se a todo tipo de tratamento médico possível, o que consumiu em boa medida os recursos financeiros de meu pai, porque naquele tempo não haviam planos de saúde, nem SUS, e as consultas médicas e os remédios e exames já custavam um absurdo. Mas o que não faz um homem honesto, decente e honrado pela sua esposa e mãe de seus filhos? Meu pai, a exemplo de mamãe, fora um jovem muito bonito, elegante, charmoso, que fazia sucesso com a mulherada. Estudou em colégio de padres na infância.
Mas preferiu a contabilidade. Formou-se no Colégio Bilac. Mas, antes, carregou sacas de açúcar na fábrica Cerri. E quando menino, vendeu pipocas e amendoins nas plataformas das estações das diversas localidades para onde era transferido o seu pai, ferroviário, que iniciou na saudosa Cia, Paulista na soca e chegou com muito esforço à maquinista. Papai casou-se com mamãe. Per doe-me o leitor a redundância, mas se trata de orgulho screver isso.
Como contador, trabalhou 25 anos na Casa Farani, depois, abriu seu próprio escritório de contabilidade. Ajudou a fundar, com seus amigos, o Clube Atlético Nacional de Vila Americanópolis. E entrementes à sua atividade profissional, era o treinador do time de futebol da Escola Monsenhor Martins, onde eu estudava, e depois, da Associação Atlética Santana, do Rio Claro F.C. e do Juventude F.C.
Papai adorava crianças. Sabia entendê-las e escutá-las. Em seu colo, os mais novinhos aquietavam-se. Ele tinha um magnetismo, um carisma que jamais tive. Era um cara que sabia agregar. Inteligente. Adorava cinema e futebol, sobre os quais pesquisava. Escrevia muito bem. Muito melhor que eu. Fazia poesias, com versos rimados, o que nunca fui capaz de fazê-lo. Era um homem que apesar de todas as adversidades vividas, sempre demonstrava força espiritual, equilíbrio, ponderação. Sofria calado.
E encontrava na fé em Deus, refúgio e alento. Até seus 68 anos, não me lembro de papai doente, indo ao médico. Depois, foi um calvário. Descoberto o câncer de próstata, sujeitou-se com esperança e obediência à cirurgia e tratamentos, e exames, e remédios sem fim. Aquela rotina que as pessoas que lutam pela sobrevivência sabem muito bem como é. Papai conviveu com o câncer durante 11 anos.
Depois, o câncer acabou por convencê-lo. Por que estou dizendo tudo isso a você, querido leitor? É porque, em face tudo isso que acabo de relatar, eu não tenho o direito de queixar-me de nada. Não tenho o direito de revoltar- -me, de desacreditar, de parar por aqui. Não! Nem eu nem ninguém. Porque duvido que haja alguém neste mundo que não teve exemplos como estes citados por mim, nos quais se inspirar. E assim, sentir-se estimulado a enfrentar os problemas da vida, todos eles, e vencer.
Tudo passa – dizia o bondoso e meigo Chico Xavier – e isso também passará. Portanto, vamos encarar o problema da pandemia do coronavírus e vencê-lo. Somos capazes disso. Somos todos filhos de Deus, que é todo amor, bondade, justiça e perfeição. Deus que tudo sabe e tudo vê, também vê o nosso esforço. Sabe das lutas e dramas de cada um de nós. E não desampara a ninguém. Tudo o que temos a fazer é sair da estagnação e nos colocarmos em movimento.
Quando nos decidimos por nos ajudarmos, mobilizamos imensas e inimagináveis forças do Bem, que estão por toda parte esperando essa nossa iniciativa para virem somar esforços conosco e nos ajudar a enfrentar, superar e vencer o problema, seja qual for. A finalidade do sofrimento não é punitiva, é pedagógica. Visa nos ensinar a sermos pessoas melhores. Façamos, portanto, com otimismo, com alegria, com esperança e da melhor maneira possível, façamos a nossa parte, cada um de nós.