Há 40 anos, meu pai, que tinha como profissão a contabilidade, reunia a molecada da rua onde morávamos, da escola onde eu estudava e formava um “timinho” de futebol, com titulares e reservas, e pretendentes a uma chance, e saía a jogar aos finais de semana, pelos bairros da cidade, com outros times formados do mesmo modo.
Tempo que jogar futebol era a diversão favorita da garotada e, quando não, a única. Alguns mais ousados, saíam da escola e iam direto para “pelada”, com uniforme escolar e tudo, para o desespero de suas mães prestimosas. Depois, o couro comia, se me faço entendido. Mas, e daí, se os momentos vividos correndo atrás da bola eram tão desejados, irresistíveis e fascinantes. Nas férias escolares, então, o futebol só perdia em interesse da garotada para o filme dos Trapalhões.
Naquele tempo, além do futebol, a criançada corria, pulava, subia em árvore, andava de bicicleta, ia a pé para a escola, vivia descalço e sem camisa (se fizesse muito calor); pulava muro, tomava água de torneira, fazia cabanas nos muitos terrenos que ainda havia nos bairros. E fazia seus próprios campinhos de futebol pra jogar bola, nesses mesmos terrenos. Roubava na calada da noite, caibros das construções, para fazer as traves, e se não tivesse traves, o que, para a época, era um luxo, marcava os gols com tijolos mesmo.
A molecada daquele tempo empinava pipa, rodava pião, brincava de pega-pega, esconde-esconde, badalo (porrada mesmo!) e mãe-da-rua. Uma delícia! E resolvia suas diferenças na saída da escola. O bicho pegava, e havia plateia e louros aos vencedores. Ganhava-se apelido e colocava-se apelido nos outros, e nunca se soube que alguém tivesse procurado advogado, conselho tutelar, a turma dos direitos humanos, ido à delegacia ou morrido por isso.
Vivi esse tempo. E dele trago as melhores lembranças de minha vida. O que veio depois disso, não merece menção, vez que nada, nada mesmo, se aproveita para um álbum de memórias.
Quando doente, nunca fui a um Pronto Socorro, enquanto criança. E papai tinha carro e dinheiro no bolso. Mas, mamãe, tinha uma enciclopédia sobre saúde e medicina à qual recorria para obter informações. É a vantagem de se ter um mãe atenta e leitora.
Só mesmo quando a coisa era grave, e lá íamos nós para o Dr. Carossi, às vezes, no seu consultório, ali na avenida 2, ou acordá-lo no meio da noite, em sua casa. E ele sempre nos atendia muito bem e resolvia o problema com um ou dois remedinhos.
Menciono essas coisas, porque, temos por hábito depositar nossas esperanças no futuro. A sociedade humana do futuro, certamente será melhor que a atual, é o que se costuma dizer. Mas, eu me pergunto, cá com meus botões, como diria papai: Como assim? A que futuro nos referimos?
Os adultos de amanhã, aos quais caberão conduzir os destinos de quase 8 bilhões de pessoas vivendo neste planeta, são as crianças que hoje, passam dias distantes da realidade, e noites sem dormir, com os olhos grudados nos celulares; almoçam e jantam salgadinhos e refrigerantes, não fazem atividades físicas, não tem contato com a natureza, e não veem no futebol, senão um meio de vida e ascensão social.
Crianças essas que têm amigos, alguns, porém, virtuais. Crianças que querem ensinar os pais, e que repudiam os conselhos, os hábitos e os costumes dos pais; que desprezam as tradições e a religiosidade, que exaltam o individualismo, que preferem, finalmente, o isolamento ao convívio humano.
É evidente que, o cenário aqui descrito não se constitui a totalidade das crianças de hoje, e nem esta opinião, mera opinião, pretende seja unanimidade entre os leitores, que devem inclusive contestá-la, caso possam fazê-lo.
Mas, o que preocupa, é que talvez o futuro próximo, logo ali, confirme a tese de que as coisas só tendem a piorar, ao imaginarmos como serão a maioria dos adultos de amanhã, portanto, a sociedade humana de amanhã.
A esperança, se existe, depois de tudo o que temos visto nos últimos tempos, é que as pessoas que realmente fazem diferença no mundo, e impulsionam o seu progresso, nunca são a maioria. Ao menos, sempre foi assim, ao longo da História. Irá a História se repetir?