“Toda arte deseja continuamente ser música”. A frase é de Walter Pater. O crítico e ensaísta inglês, soma-se, em sua constatação ao conhecido filósofo Schopenhauer que bem dizia “Arquitetura é música congelada”. Nosso Oscar Niemeyer parece ter levado isso à risca, com suas curvas e tangentes, em seus traços e obras.
Dia desses ouvindo as Variações Goldberg, na majestosa interpretação de Glenn Gould, lembrei dessas frases e até exagerei pensando que então toda música sonha em um dia ser Bach.
Independente de gosto e pedantismos, Bach é fonte inesgotável onde muitos músicos populares e bons, beberam e bebem para fazer suas belas composições.
Independente do gosto de cada um, não discutível, quem não tem suas músicas favoritas? Aquela que dá um nó na garganta quando se tenta cantar, ou quando se ouvem as primeiras notas.
Boa parte de nossa memória afetiva vem acompanhada de músicas. Tornar a ouvir uma canção que há muito não se ouvia é um reencontro com o tempo.
Todos os nossos amores, desde a adolescência têm suas trilhas sonoras. Uma das lembranças musicais mais fortes que tenho foi quando seu Oscar, meu querido avô partiu dessa para melhor e nos deixou órfãos de sua sabedoria ímpar. Naquele dia fatídico, na volta do enterro, ao entardecer, meu pai protagonizou algo sublime que ficou para sempre em minha memória. Aliás, porque todo enterro que já é tão triste é feito sempre no final da tarde, para aumentar ainda mais nossa tristeza? No meu dia de ir embora, peço que me enterrem pela manhã, uma manhã qualquer, de sol ou de chuva, mas uma manhã.
O silêncio reticente dentro daquele carro foi rompido pela voz grave de Nelson Gonçalves cantando “Naquela mesa está faltando ele e a saudade dele está doendo em mim…”. Talvez essa tenha sido a minha primeira experiência com relação à força que tem uma música e sua letra. Anos depois fui saber que esta música foi feita pelo jornalista Sérgio Bittencourt em homenagem ao pai, Jacob do Bandolim.
Desde então, passados 26 anos, não consigo cantar essa música até o final sem que minha voz fique embargada. Na época em que meu querido avô faleceu eu tinha apenas 7 anos.
Paulinho da Viola disse em um de seus shows que durante muitos anos não conseguiu cantar a belíssima “As Rosas não Falam” sem chorar, fato que o fez deixá-la fora do seu repertório por um bom tempo, para não ter o risco de passar vexame.
E como essas são tantas as canções. Canções de amores machucados, de amores passados e amores recentes, quem não as têm?
Pobres mesmo são os que não se emocionam com uma música sequer, por mais simples que seja.
É aquele velho amigo que nunca mais veremos e a música que aprendemos a chamar de sua que permanece para sempre.
Algumas músicas nos ensinam o ato de sentir. Aquela saudade profunda, a distância tão grande que chega a doer, a solidão que gela e mesmo a alegria do começo de um novo caminho, o desejo tão imenso que arrasa, aquilo que nos conforta, o que nos atormenta. No fundo, no fundo, sempre há um fundo musical para tudo.
Às vezes a própria escrita se embarga, como embarga a nossa voz ao cantarmos uma música que há anos não cantávamos. Como agora, quando lembro de meu avô, naquele dia fatídico naquele carro fatídico e aquela música maravilhosa invadindo os espaços vazios deixados por ele e preenchendo de emoções imensas minha pequena cabeça de criança com um mundo inteiro pela frente e suas muitas trilhas sonoras que ainda viriam.