A política de liberação de agrotóxicos adotada neste ano pelo governo brasileiro vem ganhando espaço nas discussões de pesquisadores, biólogos e agrônomos. Entre os temas levantados, está a preocupação de que, com uma oferta maior, a aplicação de defensivos fuja de controle.
Uma das principais vítimas nesse processo é a abelha, inseto crucial para o equilíbrio dos ecossistemas. Pesquisas realizadas no Centro de Estudos de Insetos Sociais (CEIS) do Instituto de Biociências da Unesp em Rio Claro, um dos programas que recebe apoio da Fundunesp (Fundação para o Desenvolvimento da Unesp), apontam que a morte das abelhas está diretamente ligada ao uso de agrotóxicos e ao desmatamento.
De acordo com o biólogo e pesquisador do CEIS, Osmar Malaspina, que também fez parte de um grupo de trabalho do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para análise de risco sobre abelhas, foi detectado o princípio ativo fipronil em cerca de 80% das abelhas mortas analisadas em um projeto de pesquisa desenvolvido entre 2014-2018 (Colmeia Viva).
Em maio, um dia após o “Dia Mundial das Abelhas (20 de maio)” declarado pela ONU (Organização das Nações Unidas), o governo registrou dois inseticidas à base do princípio ativo fipronil.
“São os mesmos princípios ativos que já eram vendidos no Brasil, só que agora sob novas marcas, genéricos, ou formulações”, explica Malaspina.
Segundo o biólogo do CEIS, a introdução dos lotes produzidos por empresas menores, por um menor custo, pode favorecer o uso inadequado. “O produto fica muito mais barato no mercado, automaticamente, fica mais acessível, o que possibilita que mais gente use de forma errada.”
Uma das premissas do governo é que a medida diminui o custo de produção para o agricultor. “Não vejo dessa forma. Imagine que um remédio para tratamento de enxaqueca, muito forte, fosse vendido em larga escala, com preço de analgésico. A pessoa sem informação compraria o remédio mais forte para ‘acabar de vez com a dor’ e usaria o mesmo remédio para tudo”, defende Malaspina.
Importância das abelhas
A preservação das abelhas tem relação direta com a humanidade. Na busca pelo pólen, sua refeição, esses insetos polinizam plantações de espécies frutíferas, hortaliças e grãos. Ou seja, transportam o grão de pólen da parte masculina da planta (antera) para a parte feminina (estigma).
“As abelhas são essenciais na polinização da maioria das plantas dos ecossistemas do planeta. Esses insetos são responsáveis por 73% da polinização dos cultivos destinados à alimentação humana em todo mundo. Por isso, são fundamentais para a manutenção da biodiversidade”, destaca.
No Brasil, monoculturas de soja, cana de açúcar e milho dependem do uso de inseticidas. “Acontece que alguns agricultores não respeitam a margem de segurança (250 metros) entre as lavouras e as áreas florestais na aplicação de defensivos. É quando acontece a contaminação das colônias de abelhas.”
O professor ressalta ainda que algumas culturas são afetadas de forma drástica com a morte das abelhas. “Existem três tipos de plantas: as dependentes, as semidependentes e as não-dependentes. Algumas culturas são extremamente dependentes das abelhas, como a maçã e o melão. Se não tem abelha, não tem maçã nem melão. Outras, como laranja, café e soja, são parcialmente dependentes e, se tiver abelha, a produção aumenta.”
De acordo com o pesquisador, com a presença de abelhas, o aumento na produção pode ser de 50% na cultura do café e de 30% na laranja.
“A soja, que nem é a preferência da abelha, pode ter um aumento de 4% a 12% na produção. Tudo isso sem desmatar um hectare de terra, apenas com os serviços prestados pelas abelhas. Se fôssemos pagar pelos serviços prestados pelas abelhas para a agricultura mundial, estaríamos devendo algo em torno de US$ 500 bilhões”, completa.
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