Tudo pode mudar num piscar de olhos. Desde o final de semana que passou, o Brasil assiste entristecido as notícias relacionadas à morte do apresentador Gugu Liberato. Me lembro que na cidade em que minha família morava, a então TVS não pegava. Ficava contente quando vínhamos para Rio Claro visitar minha avó e primos e eu, ainda criança, podia assistir aos programas da emissora, sobretudo o Viva a Noite, aos sábados, e depois o Domingo Legal, claro, aos domingos. Por isso, por fazer parte também de minha memória afetiva, como da de milhões de brasileiros, acabei sentindo também tristeza pela morte de Gugu.
É dessas coisas que a comunicação em massa faz, coisa que nossas modernas redes sociais e de Streaming estão mudando. Todos assistindo à mesma coisa ao mesmo tempo, era esse o movimento sincronizado que o rádio e mais tarde a televisão proporcionou e ainda proporciona.
Gugu, especialmente, com seu programa sempre em aberto, misturava entretenimento, pornografia “soft”, diversão infantil, jornalismo, e o que mais lhe pudesse dar audiência. Do outro lado o Faustão, na briga ponto a ponto pelo famigerado Ibope.
Surfavam na abertura pós-regime militar, quando a Constituição de 1988 decretou que não haveria mais censura no País. Com isso a TV, sobretudo aos domingos, se lambuzou, e exacerbava no sensacionalismo e em quadros que hoje soariam impensáveis, como a “Banheira do Gugu”, os grupos com as músicas de duplo, ou mesmo um sentido só. Tudo parecia meio que testar se de fato o País estava livre da ditadura, da censura, que tanto mal nos fez.
A TVS, depois SBT, tentava a todo custo se consolidar como a segunda emissora, mas tinha um Gugu aos domingos, dia mais nobre e mais caro da televisão, a dar a esperança a Silvio Santos de um dia ultrapassar a TV Globo e ser a primeira.
Era uma guerra, quase sempre de um mau gosto terrível. Me lembro, por exemplo, do Gugu exibindo em seu programa o “Homem lobisomem”, com pelos que lhe cobriam todo o rosto e corpo, por conta de uma anomalia genética. E as pessoas paralisadas assistiam a tudo sem questionar.
Por conta de sucessivos nocautes de Ibope que tomava de Gugu, a Globo com Faustão também decidiu apelar. Apelou para o concurso de melhor “Popozão”, exibindo abundantes closes das nádegas das concorrentes.
Após sucessivas derrotas e disputas por audiência, os dois foram de vez para o “mondo cane”. De um lado, Fausto com o quadro “Sushi Erótico”, em que exibiu galãs globais comendo pedaços de peixes que cobriam os corpos nus de modelos deitadas numa cama, tudo ao vivo.
No canal concorrente, o apresentador do SBT mostrava mais casos de homens peludos como gorilas.
O apogeu da escatologia e exploração da desgraça alheia foi em 1996. Nesse ano, em especial a Globo, decidiu partir com tudo para cima do “Domingo Legal” do Gugu.
Em 8 de setembro daquele ano, Faustão levou ao palco um menino de 15 anos portador da Síndrome de Seckel, anomalia genética que causa nanismo, retardo mental e microcefalia. Com apenas 87 centímetros, surgiu diante das câmeras caraterizado como o cantor Latino, e todo o tempo era escrachado e chamado de “Latininho”.
E o garoto sem entender nada do que acontecia ao seu redor. O pior de tudo é que naquele dia Faustão registrou picos de mais de 30 pontos de audiência. No dia seguinte, todas as revistas e jornais faziam duras críticas à produção da Globo. A Veja, em uma edição histórica, tinha na capa o título: “Mundo cão na TV, até onde vai a apelação?” O caso, que foi parar na Justiça, serviu para que conceitos fossem revistos nas emissoras.
O mundo foi mudando, a baixaria na TV brasileira foi dando espaço para os formatos diferentes, como os reality shows e programas pré-prontos, como o Canta Comigo, Dança dos Famosos, e tantos outros.
E tanto Gugu quanto Faustão se adaptaram a essas novas realidades. Melhorou um pouco, mas anos e anos de besteirol, baixaria e apelação nas duas emissoras aos domingos são tristes de lembrar, e associar a Gugu, de quem lembramos agora só do que deixou de bom em nossa memória afetiva.
Gugu foi e sempre será lembrado por seu jeito doce e por ser um gênio da televisão, menino prodígio. Triste e trágica sua morte em Orlando, durante uma prosaica subida no sótão para arrumar o aparelho de ar condicionado.
Como a TV, na vida tudo parece estar por um triz e, de repente, em pouco tempo, tudo muda.