Ah, peguei você, leitor! Iniciaste a leitura dessas mal traçadas linhas imaginando que o distinto aqui estaria, enfim, fazendo sua imersão no fantástico mundo das telonas. Pois não. Essa é uma sórdida estratégia adotada pelos escritores (alguns) para chamar a atenção do leitor.
Mas o que, de fato, pretendo contar, é um pouco da minha experiência com as extintas salas de cinemas das terras do João Batistinha.
A ideia surgiu quando eu pagava a conta do supermercado e assim, do nada, num daqueles rompantes de inspiração, eu disse à atendente: Você conheceu esse lugar quando era uma sala de cinema? Não – ela respondeu, com aquela cara de espanto, muito natural às pessoas nada afeitas com os fatos históricos. E eu disse: Além de sala de cinema, era também teatro. E aqui – e apontei atrás de mim – ficava a telona. Era muito legal. Vez em quando a gente brigava com as pulgas, mas os filmes nos divertiam A conversa terminou. Peguei minhas sacolas e fui embora, desconfiado que o fato poderia render uma crônica.
Agora, sentado diante do computador, lembro da primeira vez que fui ao cinema. Morávamos na rua 1-A, em frente ao Foto Zanetti, na casa da dona Hilda, que meu pai alugara. Era uma casa bonita, confortável, com parreira de uvas e um quintal bastante aprazível na parte dos fundos, onde, certa vez, enterrei algum dinheiro, numa daquelas atitudes inocentemente estúpidas que as crianças cometem na vida.
À época dos fatos, eu tinha, 4 ou 5 anos, não sei ao certo. E meu pai tinha uma Rural Willys, azul e branca, e minha irmã um namorado, e meu irmão, muitas namoradas. Esse Carlão! Danado ele! E eu, tinha uma vez por semana, cinquenta centavos de cruzeiros que ganhava de meu pai pra comprar chiclete Ping Pong no bar do Cine Tabajara, que ficava logo ali, na rua 1. E eu ia, comprar meu chicletinho, e ficava olhando para os enormes cartazes que anunciavam os filmes, sonhando com o dia, que pudesse passar por aquela porta que levava à grande sala escura, onde eram exibidos os filmes.
Um dia, de tanto insistir, a dona Alzira me levou pra ver um filme que passava na matinê do cine Tabajara. Não lembro qual o filme. Se Zorro, Tarzã, Jerry Lewis, não sei. Mas foi uma experiência fascinante ver as coisas acontecendo diante de mim, no tamanho gigante que a tela do cinema proporciona. Eu achava que os artistas surgiam de trás da tela. Até que meu pai, cinéfilo de mão cheia, me explicou pacientemente o que era projetor e como tudo funcionava. Ah tá!
Depois, já um tanto crescidinho, conheci o Cine Excelsior. Fui ver ao filme dos Trapalhões, com os amigos da rua onde eu então morava, no bairro São Judas Tadeu. Fizéramos isso durante alguns anos de nossa infância no período das férias escolares.
O Variedades, cuja foto vi dia desses na internet, conheci bem depois. Fomos ver um filme do Conde Drácula, uma versão, salvo engano de 1974, com o ator Christopher Lee, no papel principal, acompanhado de seu fiel escudeiro Peter Cushing. A cena que o nefasto conde fica pendurado na vela do navio, exposto ao sol é inesquecível. E todo mundo vibrou com o destino da víbora.
Bem, é isso, caro leitor. É o que vem à cabeça. Talvez você tenha esperado que eu lhe contasse sobre algum namorico na sala escura do cinema. Eles existiram, alguns. Não muitos. Pobre, feio, tímido, eu não tive muita chance com as garotas na minha adolescência e juventude. As meninas eram mais seletivas naquele tempo. Mas dei lá minhas investidas e tive meu êxito romântico por alguns minutos, no escurinho da sala do cinema. O nome delas? Ah, isso não!
Como tudo na vida, restaram lembranças e histórias. O prédio onde eu assistia aos filmes de bang-bang e aventura, o Tabajara, é uma loja onde se vende utilidades. E onde víamos King Kong, Bete Balanço e Superman, o finado Cine Excelsior, agora tem uma loja de departamentos. E onde eu assistia aos filmes de terror e às reprises dos grandes clássicos, como Excalibur e Guerra nas Estrelas, agora faço compras. É o prédio onde funcionou o Cine Teatro Variedades, que ainda hoje ostenta em sua fachada as figuras de Carlos Gomes e Giuseppe Verdi. Lá funciona um supermercado. Alguns veem nisso progresso. Eu, sinceramente, não.