Ser um colecionador de discos, livros, CD’s ou revistas na Cidade Azul e não conhecer Carlos André Ferreira da Silva, o Jhonny, é impossível! À frente do sebo Outras Histórias há 25 anos, Jhonny é mais do que um mercador de objetos que carregam fascínio, conhecimento e sentimento – aquele prazer tátil que, como disse o poeta, devotamos aos maços de cigarros – é, praticamente, um Guru da Cultura Pop do município que, aliás, mais consome produtos ‘nerd’ no Brasil.
A existência de sebos com livros e revistas na Terra de Ulysses Guimarães sempre foi uma realidade, entretanto, o cuidado com a acomodação e a catalogação era inédita até 1992, quando um jovem, que trabalhava na distribuidora de revistas da Editoria Abril decidiu abrir um negócio próprio e, com o seu gesto empreendedor, um quarto de século depois inscrevesse o seu nome na História através da História que criou. Aperte o REC e grave a trajetória de mais essa personalidade de Rio Claro!
Você trabalha no ramo de revistas e livros desde 1986, quando tinha uma banca e depois na distribuidora, como surgiu a ideia de um sebo? “Já existia há tempos, como colecionador de Histórias em Quadrinhos (HQs), discos e também como consumidor de livros. Sempre frequentei sebos e algo que me incomodava era a forma como tratavam os exemplares, ou seja, quase nenhum cuidado. Imaginava um sebo que cuidasse melhor sem colar etiquetas ou, pior, escrever o preço a caneta nas capas, seja das revistas, dos discos ou dos livros. Com a ideia formatada, a oportunidade surgiu mais por uma necessidade, afinal, em 1993, o País estava em crise e com poucas oportunidades. Tomei a decisão de abrir o negócio inicialmente com minhas coleções e o tempo entre decidir e alugar o primeiro salão da loja foi de uma manhã e um almoço.”
Começar pelas próprias coleções? Como conseguiu e o que desejaria que fosse feito com todo seu espólio? “Sinto decepcionar, mas já não tenho grandes acervos pessoais e minha ‘coleção’ está na loja. Essa é a vantagem que tenho em virtude da minha atividade. Mantenho, claro, uns tantos exemplares de ligação emotiva, mas nada na quantidade que um dia já tive. Acho que o acervo de histórias em quadrinhos é o maior, li minha primeira HQ antes mesmo de ouvir meu primeiro Rock! Eu desejo que meu acervo circule, pois um bom livro, um bom disco, uma boa história em quadrinhos e um bom filme só cumprem sua função quando lido, ouvido, assistido.”
Você é um defensor dos discos de vinil e costuma dizer que os elepês nunca deixaram de ser opção. Nesse processo tecnológico com tantas novidades no mercado, como você a permanência do ‘antigo’ nesse ‘admirável mundo novo’? “Vejo com naturalidade e, por vezes, espanto de quem vive o seu tempo, tecnologias surgem e sempre surgirão. Discos de vinil é a mais longeva e charmosa forma de ouvir música, costumo dizer que há duas obras artísticas em um vinil: o som contido nas faixas e sua arte gráfica com as capas e os encartes. Penso que há algo um tanto de lúdico ao pegar um LP, pois o retirar da capa e colocar no toca-discos é quase que um ritual!”
Quais são as suas obras favoritas? “Difícil resposta… Mas alguém disse ou li em algum lugar, que as histórias existem por necessidade de quem as criou ou descreveu, por necessidade de quem as leu ou ouviu e, por vezes, por necessidade da própria história em ser narrada. E nestes termos não lembro de nenhuma “escola” literária mais significativa para mim que o Realismo Fantástico Latino Americano. Autores como Julio Cortazar (“Todos os Fogos o Fogo”) Gabriel Garcia Marques (“Cem Anos de Solidão”) e Jorge Luis Borges (“O Aleph”) estão entre meus preferidos.”
Para além do mercador, como você define o público que ainda coleciona livros, discos etc? “Certamente são pessoas especiais que, mesmo que colecionem e/ou apreciem um determinado estilo músico/literário pelo simples fazer da coleção, ainda arriscam e buscam o novo ao ler ou ouvir algo diferente do usual e, desse modo, ampliam o seu conhecimento. De si, do outro e do todo e isso é uma das coisas que me espantam no que faço.”
Ainda há esperança para a cultura brasileira? “Inverto a pergunta: Há hipótese de não ter esperança para a cultura brasileira? Pela diversidade, pela quantidade de pessoas envolvidas em fazer cultura com pouco ou nenhum apoio do Estado, não vejo como não ‘esperançar’. Em minha opinião, sobre a música de hoje, por exemplo, acho aquela ‘trabalhada’ pela mídia um tanto ruim, entretanto, pela facilidade de registro e de divulgação (internet/facebook), há um sem número de pessoas fazendo músicas com grande variedade de estilos e qualidade e gosto desse movimento.”
A sociedade rio-clarense mudou? “Não só a de Rio Claro, a facilidade de comunicação e compartilhamento de informações e ideias aproximou os distantes, distanciou os próximos, deu voz aos ideais minoritários, explicitou preconceitos e, pela quantidade de informações disponíveis em contraponto a de décadas atrás, tornou tudo um tanto efêmero, ou como disse Zygmunt Bauman, uma sociedade liquida. Estamos quando muito entrando na adolescência deste mundo hiperconectado e haveremos de amadurecer.”
E isso preocupa? Como vê o atual momento? “Preocupa muito, O embate político/sócio/econômico deste momento é feito por imposições e pela necessidade de vencer e não pela busca do diálogo e da melhor solução para os nossos problemas. Nossa democracia é jovem e penso que rever a própria Constituição – sim, estou falando de uma nova Constituição – pode ser um caminho.”
CARA A CARA
QUEM É JHONNY? Um vendedor de histórias
RIO CLARO: Um Leão adormecido cujo sangue segue sugado por pulgas e carrapatos
CULTURA: Aquilo que amplia a visão de si e do todo
INESQUECÍVEL: O nascimento dos meus filhos
PARA ESQUECER: 7 X 1
SAUDADE: De andar despreocupado pelas ruas de Rio Claro em qualquer horário em qualquer lugar
EXPECTATIVA: De quem sabe poder voltar a fazer isso
UM LUGAR: O topo de uma montanha, pela conquista, pela visão e, sobretudo, pela sensação do quanto somos pequenos
UM MOMENTO: O amanhecer de todo dia
UM ÍDOLO: Não tenho, admiro muitos por vários motivos, mas no fim somos todos humanos e temos defeitos, falhas e deslizes
UM SONHO POSSÍVEL: Quem sabe buscar a graduação e ser professor
UM SONHO IMPOSSÍVEL: Ver o show de algumas bandas que não mais existem e que não pude ver
UMA FRASE: Fazer o melhor onde estiver com o que dispor
UM LIVRO: Papillon – Henri Charriere
UM DISCO: Led Zeppelin IV
UMA PALAVRA QUE O DEFINA: Grisalho (sou desde os 20 anos)
PINGA FOGO
MUDARIA DE CALÇADA AO CRUZAR COM: Um cachorro grande e sem coleira
MAL MAIOR: Desesperança
NÃO MERECE O MEU RESPEITO: Corruptos, todos e quaisquer
A POLÍTICA É: Atualmente, no Brasil é a arte de enganar a si mesmo para enganar os outros
NÃO SIMPATIZO, MAS RESPEITO: Com adversários
NÃO RESPEITO, MAS SIMPATIZO: Com puxa-sacos