Virou moda, no mercado lucrativo das palestras de autoajuda corporativa e também por parte de alguns líderes espirituais, colocarem em sua atividade o termo “quântico”. De “coach quântico”, passando por “cabala quântica”, até a promessa da “cura quântica” para as doenças mais graves.
Vivemos carentes de espiritualidade, muitos de nós não podem suportar o vazio de uma existência sem sentido. Temos de buscar um sentido, afinal, não somos feitos só de razão. E aí é que entra o oportunismo de um mercado que se apropria de algo que não é de entendimento imediato para dar essa aura pseudocientífica, sem nenhuma comprovação na realidade.
Desde o início do século passado a física quântica é usada para descrever novos fenômenos não descritos pela física clássica e muito distintos aos observados em nosso dia a dia, mas com forte impacto na tecnologia. Em smartphones, computadores, TVs, por exemplo, há fenômenos quânticos acontecendo. Os bilhões de componentes nos minúsculos microprocessadores de um computador trabalham de acordo com regras muito bem descritas pela mecânica quântica.
O mundo quântico se comporta muitas vezes de maneira desafiadora a nossa intuição. Muitos fenômenos que ocorrem no nível atômico não tem paralelo em nossa realidade macroscópica. Um deles, por exemplo, é o tunelamento quântico, que permite que uma partícula ultrapasse uma barreira de energia muito maior que a energia que ela possui.
Outro é a superposição. Basicamente, esse princípio diz que um átomo, uma partícula ou mesmo uma molécula podem estar em dois ou mais lugares ao mesmo tempo. Com isso, podemos descrever seus estados como “superpostos”. E esta propriedade de uma partícula estar em mais de um lugar ao mesmo tempo está relacionada à natureza que a matéria tem de também ser onda.
E como uma onda é uma perturbação no espaço e no tempo, ela pode ser detectada espalhada, isto é, em vários pontos do espaço. Porém, o mais estranho ocorre quando medimos de fato a posição dessa partícula. Ao medi-la, ela é encontrada em uma só posição, não mais como onda, mas agora como partícula. Diz-se no jargão apropriado que a função de onda “colapsa” quando fazemos a medida. Desse modo, é possível dizer que medir a partícula é quase como que fazê-la existir. Ou ainda que nossa observação interfere na realidade do mundo microscópico.
Esse é o conceito preferido pelos esotéricos de plantão, do qual se apropriam para dizer de maneira mentirosa que nosso pensamento “cria a realidade”.
O princípio da incerteza, descoberto pelo físico Werner Heisenberg na década de 1920, mostra que é impossível medir simultaneamente a posição e a velocidade de uma partícula, e nem dá para saber o quanto de energia ela tem em um certo intervalo de tempo. Tudo isso só funciona na escala atômica e subatômica.
Desde muito tempo, a física em geral tem uma aura de ser algo difícil, coisa apenas para gênios. Mas não passa de mito. Assim como todas as atividades científicas, a física necessita de dedicação e disciplina para que seja entendida. Há também a parte de alguns cientistas que não colaboram e, por ostentarem um título de doutor e publicações em revistas científicas internacionais, comportam-se de modo arrogante, como se fossem detentores de um código secreto indecifrável por mentes comuns. Não seriam muito diferentes de alguns integrantes do alto escalão da Igreja Católica na Idade Média, que detinham o conhecimento sem compartilhá-lo. Ainda bem que são minoria.
Estou longe de ser um especialista em Física Quântica, mas os três anos e meio que me dediquei a esta parte da física, sendo um na graduação e outros dois e meio na pós-graduação, me dão uma certa noção aprofundada do conteúdo e suas implicações no mundo dos átomos e partículas que os compõem.
Toda ciência é feita de modelos que se encaixem em descrever de maneira mais exata possível o que observamos na Natureza por meio da experiência.
Desde sua formulação final, em 1927, pela Escola de Copenhague, liderada por Niels Bohr, a Mecânica Quântica tem sido, nas palavras do físico Lee Smolin, a “menina dos olhos” da física moderna. E vale citar que Smolin é atualmente um dos maiores críticos do modelo quântico, o qual classifica com “não-realista”. Mas isso será assunto de outro artigo.
A teoria quântica explica por que são os átomos que compõem tudo o que existe, e por que estes átomos são estáveis e têm diferentes propriedades químicas, além de explicar de maneira satisfatória como os átomos se combinam em diversas moléculas. A mecânica quântica, em seus níveis mais avançados, mostra uma nova maneira de se guardar e processar informações, no que promete ser a maior revolução tecnológica já vista pela humanidade, a computação quântica.
Mas, em nada a quântica, como chamamos na Universidade, se aplica ao mundo macroscópico. Todos os processos descritos por ela se dão apenas no nível mais fundamental da matéria.
Não, o nosso pensamento não cria a realidade. Se assim fosse, bastaria pular de uma ponte alta pensando que não iria se esborrachar e morrer lá embaixo.
A venda ou a cura verdadeira não tem nada de “quântica”. A cura está em sair do obscurantismo e em buscar o prazer de obter conhecimento, maravilhar-se com esta existência que nos possibilita conhecer o Universo e tudo o que nele há, sendo parte consciente dele. Nós, humanos, somos o Universo que despertou, por meio da Ciência.