Presa com o intuito de apenas engravidar e dar filhotes para a venda, os dias naquela gaiola cruel pareciam não ter fim. Em meio à nuvem de pelos teimosos que insistem em crescer no seu rosto, seus olhinhos pretos de jabuticaba ainda têm um quê de infinito. Lolla chegou em casa há mais ou menos um ano, adotada por nós depois de conhecermos esse relato de sua vida passada.
Chegou magrinha, hoje está bem nutrida, feliz por não ser mais tratada como máquina. Mesmo se fosse racional, Lolla não poderia prever o futuro que teria. Protegida e em casa, me olha de vez em quando e não pode ver eu calçar os sapatos que já se anima e vai para a porta, pensando em passear. Impossível ficar indiferente.
Passeando pelo bairro com a Lolla vou pensando que ela não sabe, nem sequer imagina, em sua realidade canina de pet, que nossa maior revolução, no conhecimento e na tecnologia, apenas começou. Hoje, cem anos do calendário não coincidem com os do progresso da tecnologia. Os avanços na ciência e tecnologia obedecem a “Lei dos Retornos Acelerados”. Essa teoria foi desenvolvida por Ray Kurzweil, engenheiro e inventor, consultor do Google e da Nasa.
Com base na análise de dados experimenta sobre a aparente aceleração de todas as tecnologias relacionadas com informação e as pesquisas em andamento nas principais universidades do mundo, a descoberta é que esse progresso na ciência e tecnologia avança de modo exponencial. Enquanto um crescimento linear é constante, o exponencial começa tênue e após certo tempo ele torna-se muito intenso.
Do mesmo modo que um buraco negro no espaço modifica drasticamente a matéria e energia que se aceleram na direção de seu horizonte de eventos, a medida em que as descobertas avançam, mais e mais aumenta o ritmo na mudança. E o que os especialistas vislumbram no horizonte de alguns anos é que não haverá diferença entre homem e máquina, ou entre a realidade física e a virtual. Já é praticamente um consenso que a nossa evolução não é mais biológica. Nossa inteligência poderá ser trilhões de trilhões de vezes mais potente com a ajuda da porção não-biológica.
Dentro em breve, a nanotecnologia permitirá o projeto de nanobots, robôs o tamanho de moléculas, medidos em milionésimos de metro. Esses minúsculos robôs terão inúmeras funções dentro do corpo humano, inclusive para reverter o processo de envelhecimento. Os nanobots também poderão interagir com os neurônios em nosso cérebro e assim ampliar enormemente nossa experiência, criando realidade virtual a partir do interior do sistema nervoso. Também poderão nos servir para ampliar vastamente a inteligência humana.
Por meio da neurociência, cujas descobertas avançam vertiginosamente, nosso conhecimento dos processos que geram as emoções são cada vez mais conhecidos. Máquinas dotadas de inteligência artificial poderão muito bem dominar essas emoções. Haverá dias sobre a Terra, em que será difícil distinguir um humano de uma máquina. E muitas dessas máquinas estarão plenamente aptas a criar outras máquinas, tão inteligentes ou mais.
Se hoje já manipulamos os genes, e já mapeamos todo o DNA humano, daqui um tempo, com a crescente evolução das pesquisas em Inteligência Artificial e no escaneamento do cérebro humano, será possível baixar todo o conteúdo de nossa mente para uma nova “plataforma”, além dos nossos frágeis corpos biológicos. Despertaremos em um novo corpo.
Haverá consciência? Seremos imortais? Essas são grandes questões ainda sem resposta. Parece coisa de ficção científica, não é? Qualquer semelhança com aquele filme “Transcendence”, em que o personagem de Jhonny Deep “baixa” o conteúdo de sua mente em um computador e desperta nele, não é mera coincidência. Esse filme, inclusive, foi baseado no livro seminal de Ray Kurzweil, intitulado “A Singularidade está Próxima”.
E assim, depois do passeio com a Lolla, volto para casa e fico pensando que o que ainda, por enquanto, nos diferencia como seres inteligentes é a capacidade de sentir ternura, amor, alteridade, de se colocar no lugar dos mais fracos e erguer nossa nova história mesmo em meio às maiores dificuldades. Lollinha toma sua água e deita, tranquila, com os olhos no infinito. Não é máquina.