Não é recente a utilização de notícias enganosas em período eleitoral. A informação é do jornalista José Roberto Sant’Ana, que desde a década de 1970 atua na área da comunicação e acompanhou a evolução da imprensa desde o período do linotipo, passando pelo fotolito, até chegar na era digital.
“As fake news [notícias falsas] sempre existiram. O que mudou foi o suporte utilizado para disseminá-las. A era digital potencializou a amplitude da divulgação desse conteúdo”, analisa.
O tema volta à tona e tem preocupado especialistas nas disputas eleitorais municipais em 2020. No dia 24 de julho, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) realizou o seminário “Internet, desinformação e democracia”. No evento, a advogada e integrante do comitê Flávia Lefévre defendeu a necessidade de criação de mecanismos que diminuam a influência do peso econômico nas redes, uma vez que candidatos com mais recursos passaram a ter chances de veicular anúncios nas plataformas.
Com foco em 2020, as últimas eleições já foram exemplo da potência que pode ser criada pela desinformação disseminada pelos diversos aplicativos de comunicação.
CONSUMO
Sant’Ana avalia que o consumo de massa das novas tecnologias potencializou esse poder de comunicação. “Antes, a desinformação ou publicação de notícias falsas estavam limitadas a um grupo restrito que tinha controle da comunicação. A mudança ocorreu porque o acesso é massivo. Isso cria um cenário que nunca existiu na história da comunicação”, esclarece.
A velocidade em que as mudanças tecnológicas ocorrem também foi citada pelo jornalista. “Essa mudança de tecnologia está acelerada e, no caso das fake news, é um aspecto negativo”, avalia.
TRANSIÇÃO
O jornalista acredita que a sociedade passa por um momento de transição em relação às tecnologias e é difícil prever como se dará o controle. “É difícil a pessoa receber a informação e, antes de repassar, checar. Até porque essa é uma premissa da comunicação tradicional, feita por profissionais. As pessoas não têm nem tempo para isso. E se tiverem, onde vão procurar?”, questiona.
E prossegue: “Hoje, não dá para saber qual será o tipo de controle. O que poderíamos apostar é na consciência e bom senso individual, no intuito da pessoa ser autônoma na checagem. Mas isso seria um processo ainda mais utópico”.
MODELO
O ex-ministro do Tribunal Superior, Eleitoral (TSE), Henrique Neves, destacou a complexidade de tratamento das notícias falsas nas eleições de 2020, lembrando que a análise de violações na propaganda eleitoral será feita por 2.800 juízes das zonas eleitorais responsáveis pelas disputas municipais nas diferentes regiões do país.
O total de candidatos, estimou Neves, deve passar dos 500 mil com as novas regras. “A eleição municipal é muito mais complicada de ser feita do que a nacional. Você vai ter um universo menor, municípios com 20 mil pessoas, onde uma fake news pode se espalhar mais rapidamente. É importante uma qualificação para que os juízes, Ministério Público e advogados saibam lidar com o problema”, afirmou.
REFORMA
Atuando no campo religioso, portanto, fora da política partidária, o Padre Emérito Otto Dana acredita que as notícias falsas impactam diretamente no resultado das eleições. “Já influenciou na eleição que se passou e com certeza serão aperfeiçoadas para as eleições de 2020”, salienta.
O religioso defende uma reforma eleitoral que contenha mecanismos que prevejam a tecnologia nas campanhas. “É preciso se adaptar às tecnologias que existem hoje. O ponto de partida tem que ser uma reforma eleitoral”, defende.
IMPACTO
O presidente do diretório de Rio Claro do PSDB, Murylo Müller Cesar, acredita que a disseminação de notícias falsas nas próximas eleições terá importante impacto para os grupos que vão disputar o pleito. “Acredito que será de muita relevância para 2020, como foi em 2018. Muitas informações desencontradas para beneficiar um candidato específico ou prejudicá-lo. Isso vai fazer diferença no resultado”, espera.
Para ele, os grupos políticos terão que se preparar para combater essas notícias. “Tem que se preparar a tempo para se organizar e conseguir responder a essas questões com a verdade. Só a verdade é capaz de justificar e fazer com que o grupo certo venha triunfar nas eleições 2020”, analisa.
REDES
O Facebook já anunciou que a companhia pretende reduzir o alcance de notícias identificadas como falsas por por checadores no newsfeed e disponibilizou informações sobre anúncios políticos, como a exigência de confirmação de identidade, a disponibilização de quem pagou e quais segmentos populacionais receberam as peças.
Também está na mira de especialistas o Whatsapp. Para o pesquisador do Observatório Latinoamericano de Regulação, Meios e Convergência (Observacom), João Brant, a plataforma tem responsabilidade e tem que atuar garantindo transparência.