Eu ainda nem tinha completado 11 anos e fomos, meu pai, meu irmão mais velho e eu, ao Atletiba, no Estádio do Pinheirão, na capital paranaense.
Somos do interior do estado e, como a maioria dos oriundos da região, nossa afeição é pelos times paulistas. Corinthianos somos todos, mas optamos por equipes diferentes aqui: meu pai e eu, “coxa”; meus irmãos, “furacão”.
O jogo foi digno de clássico: o Coritiba, do craque Alex, saiu vencendo no primeiro tempo, e ampliou sua vantagem no início do segundo. Era um 2 a 0 que indicava tranquilidade. Mas o Atlético impingiu uma das maiores viradas que já vi, certamente a maior in loco: 5 a 2, com três gols em seis minutos no início da etapa complementar.
Como assistimos ao jogo nas cadeiras numeradas, não houve problema trajarmos as camisas das respectivas agremiações. Havia vários simpatizantes de ambas. Meu irmão, 14 anos; eu, 10. Foi tudo tranquilo. Meu pai sempre teve o hábito de sair dos jogos minutos antes do fim da partida, simplesmente para evitar o transtorno de locomoção, etc. Neste dia não foi diferente, e o quinto gol atleticano, na verdade, apenas ouvimos – concluímos pelo barulho da vibração da torcida rubro-negra.
Já no pátio do estádio, indo em direção ao carro, cruzamos com um cidadão que caminhava em sentido oposto. Não posso precisar agora se ele trajava as cores do Coritiba, mas creio que sim. Ele nos parou e disse, sucintamente: “é melhor o piá tirar a camisa” (‘piá’ é menino, nesta região do Paraná). Falou isso e apontou para meu irmão. Meu pai mandou um “por quê?”, entre desconfiado e perdido. “A torcida do Coxa sai por ali”, disse ele, mostrando um dos portões.
Resultado: ao longo de uns 200 metros, meu irmão caminhou sem camisa.
Ver pela televisão a cena deplorável de alguns torcedores do Inter para com torcedores do Grêmio me trouxe aquela cena à memória.
Não sei se por conta da presença masculina de meu pai, se pelo fato de meu irmão já ser um adolescente, se o cidadão que nos “alertou” tinha de fato boa índole ou se, como sociedade, não éramos tão imbecis 22 anos atrás (pode ser uma mistura de tudo isso, quem sabe). Mas fato é que nossa história foi um pouco diferente.
Mesmo sem a agressão física acintosa, sem xingamentos direcionados e, principalmente, sem a tentativa de roubo da camisa, aquela situação foi suficiente para que meu pai decidisse algo muito simples: jamais pisaríamos em estádios em dias de jogos com grande rivalidade. Seguimos nossa rotina de ir a partidas do Corinthians quando este visitasse a cidade, ou quando algum jogo “grande” acontecesse (assistimos Atlético X São Paulo, Coritiba X Vasco, etc), mas sempre sem trajar nossas camisas, sempre à paisana. Continuamos a sair mais cedo dos estádios. Agora, já sem carro.
As tentativas de explicação ou relativização da agressão sofrida por mãe e filho no Beira-Rio só não são mais cretinas do que o próprio ato. Mais vale a simbologia: a senhor(it)a que foi pra cima dos gremistas trajava um cachecol onde se lia “ANTIFASCISTA”.
Eu, particularmente, salvo uma partida no Pacaembu em 2013 e outra na Vila Capanema em 2017, não vou a estádios há pelo menos 15 anos. E, sinceramente, não tenho este na lista de “afazeres” com meu filho. O desencanto tem sua raiz naquele dia de 1997, mas é uma conclusão natural diante de todo tipo de atrocidade que vemos, dia sim, dia também. Não há moralismo aqui, é mera constatação: os estádios se tornaram um ambiente dominado pela irracionalidade.
Afinal, o torcedor é um apaixonado. E os apaixonados nunca têm razão.