“É o começo do fim” – quando o pai lhe disse isso, estavam na sala, sentados, lado a lado, no velho sofá de courvin, que, por sinal, precisava de uma reforma havia muito tempo. Naqueles idos de 1999, as pessoas ainda se ocupavam de reformar os móveis, tanto quanto possível, antes de abandoná-los definitivamente na calçada, onde ficariam tomando sol e chuva, até que algum carroceiro com alma cristã resolvesse levá-los embora ao custo de alguns trocados.
Quando o pai, aos 69 anos, lhe dissera aquelas palavras, sua mente divagava nas preocupações diárias de um jovem recém-casado, e, portanto, não dera muita importância ao fato de que o pai estava doente.
O envelope com o exame, que o pai levara na consulta, estava sobre a mesinha de centro da sala, onde havia também um cinzeiro com alguns tocos de cigarro, um pouco de cinzas e papéis de balas, o que indicava que o irmão mais velho estivera ali na ausência de ambos. E estivera mesmo, porque na pia da cozinha havia um copo de vidro americano com um restinho de café.
E Lucinha? Onde estivera na ausência de todos? Esta sim, era a pergunta que mais o inquietava. Porque, quanto à doença do pai, a medicina daria um jeito. Ou o destino faria prevalecer a vontade soberana da divindade. O pai era forte. Nem resfriado apanhava. Muito raramente.
Então, o chamado da secretaria da clínica o pegara desprevenido naquelas divagações?
Sr. Heraldo?
A mulher que estava ao seu lado o cutucou com insistência.
Só então ele se deu conta de que chegara a sua vez.
Os exames estavam sobre a mesa do médico que, pensativo, tinha os olhos voltados para eles.
“Pois então, doutor…?”
“Teremos uma batalha a enfrentar, Sr. Heraldo”.
Alguns meses depois, ele estava debruçado na janela do 3º. andar do hospital público onde operara com a garantia de que o procedimento havia sido coroado de êxito. Ah, esses médicos!
Tinha 49 anos, e estava a pensar nisso, quando se dera conta de que uma lufada de vento havia desmanchado a nuvem que até então, encobria a lua cheia, que, aos poucos, foi escapando do alcance dos seus olhos.
Dali sairia para casa e não para o bar, como havia planejado inicialmente.
Além de suas roupas, levaria um calhamaço de receitas, recomendações, solicitações de novos exames, para dali alguns meses, e remédios.
Seria sua rotina, sempre soube que sua vez haveria de chegar. Só não imaginava que seria vinte anos antes do que pretendia. O pai era um forte. Ele não.
E com certa vergonha, teve de admitir isso, enquanto disfarçadamente, mas nem tanto, secava as lágrimas dos olhos.
Foi até o carro que o esperava em frente ao hospital, mas não encontrou ninguém para recebê-lo além do motorista.
Lucinha havia se perdido na vida, o irmão mais velho estava em local não sabido, e o pai, o havia deixado vinte anos antes, sem se despedir.
Por Geraldo J. Costa Jr.
O colaborador é escritor