A mais poderosa das armas que inventamos, mais terrível na sua capacidade de destruição, a mais covarde, é a palavra. A palavra destruidora realiza o Mal e não deixa vestígios. Filhos vivem condicionados durante anos pelos pais, profissionais são impiedosamente criticados, religiões incutem que sempre estamos em dívida, conosco, com o mundo, com Deus, por meio da palavra daqueles que se julgam capazes de interpretar a “voz de Deus”.
Mulheres e homens são constantemente massacrados por seus parceiros ou parceiras.
E há uma forma cruel de desumanização e engano pela palavra que cada vez mais tem arrebanhado adeptos, cegos numa noite eterna da alma: a autoajuda corporativa.
Os efeitos colaterais do discurso motivacional, o mercado de palestras e livros motivacionais está crescendo desde o início do século 21. Religiões tradicionais estão perdendo adeptos para novas igrejas que trocam o discurso do pecado, igualmente pernicioso, pelo encorajamento e autoajuda. As instituições políticas e empresariais mudaram o sistema de punição, hierarquia e combate ao concorrente pelas positividades do estímulo, eficiência e reconhecimento social pela superação das próprias limitações.
A sociedade disciplinar e repressora do século 20 descrita por Michel Foucault perdeu espaço para uma nova forma de organização coercitiva: a violência neuronal. As pessoas se cobram cada vez mais para apresentar resultados. Somos carrascos e vigias de nossas próprias ações. Parece que passa a existir e merecer o título de bem-sucedido apenas aquele capaz de se anular em prol da empresa, das vendas, das metas inatingíveis.
E assim vamos sendo medidos pela quantia de dinheiro que geramos. Só se vive e existe se produz, do contrário não passamos de estorvo.
Quem não se pune quando levanta cedo para ir ao trabalho, e pensa: “Que b#$@% eu estou fazendo com a minha vida?”. E aqueles sonhos todos, de largar tudo, ou de ser aquilo que não foi? Parece que todas essas perguntas, carregadas de genuíno sentimento humano, não podem ser feitas, tem de ficar suspensas, afinal é preciso reprogramar o cérebro para não sentir, para ter foco, para se concentrar naquilo que deves fazer, pensando numa recompensa imaginária, que nunca vem, para ter a tal da ‘resiliência’.
Mas a angústia sempre irá nos acompanhar. Fica nos esperando na esquina, no início da noite, depois de intenso dia de trabalho, e nos leva ao bar, às drogas, aos remédios, para dormir e outros para acordar. E ao final de toda uma vida culpar os filhos, a família por toda a renúncia, por ter se anulado em prol deles. E eles, ao verem isso tenderão a repetir o que fez a procura de uma zona de conforto que lhes acene a mínima garantia, até que um punhado de terra lhes encha a boca.
No livro “A Gaia Ciência”, Nietzsche nos presenteia com um exercício mental intrigante: “E se um dia um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: ‘Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nada de novo, cada dor e cada prazer (…) há de retornar (…).
Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que que lhe responderias: ‘Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!’”. A forma como você reagiria à proposta diz muito sobre o modo como você leva a vida e faz questionar (muito) sobre o rumo que dá a ela e como toma suas decisões.
Por essas e outras tantas sou mais pelo conselho de Lou Andreas- Salomé: “Ouse, ouse… ouse tudo!!! Não tenha necessidade de nada! Não tente adequar sua vida a modelos, nem queira você mesmo ser um modelo para ninguém. Acredite: a vida lhe dará poucos presentes. Se você quer uma vida, aprenda… a roubá-la!”