No início do ano, mudei para outra casa. Não por minha opção, mas sim por escolha do destino, o qual por meios indiretos, me deu a opção de morar no bairro que sempre sonhei, desde que me casei.
Mais que uma nova residência, a casa para a qual eu me mudei, é um privilégio: novinha em folha, ao lado da floresta estadual Edmundo Navarro de Andrade. Aqui, estou mais próxima às minhas raízes indígenas.
Sinto o cheiro do eucalipto, ouço o canto dos pássaros se recolhendo ao fim do dia. Fecho os olhos, e posso até ver meus ancestrais cantando e dançando em rodas festivas.
De início, encarei tudo como uma oportunidade radical de mudanças, tanto externas como internas. Adotei a célebre frase da poetisa e cronista goiana Cora Coralina: “Ando cansada de bagagens pesadas. Daqui para frente levo apenas o que couber no bolso e no coração”.
Assim, me desfiz de muitas coisas que acumulava, dentre elas móveis e material para reciclagem, como tubos de PVC, retalhos de tecelagem, vidros, e por aí afora. Sou “arteira” por natureza e sempre achei finalidade para tais materiais. Só que guardei material demais. Em tal volume, que não teria tempo para utilizar durante os próximos 50 anos, mesmo que vivesse tanto tempo…
Artesãos sabem do que falo… É retalho para fazer fuxico, malha para fazer bonecas, lã para fazer seus cabelos, seda para fazer flores. Madeira para fazer caixinhas, tinta para pintá-las, papel para revesti-las, contas e outros objetos para adorná-las…
Mas ao mudar, descobri que ainda faltava muito a que desapegar, ficando tudo amontoado no meio de um dos quartos. Assim, passaram-se dois meses de doações de materiais e trocas de móveis e outros utensílios que se adequassem mais ao novo espaço.
Terminado o desapego, comprei flores (sem as quais não vivo) e vinho para receber os amigos (conforme prometido), para comemorar o novo “cafofo”.
Quando se foram, veio a grande descoberta: o bolso estava mais leve, mas o coração ainda se oprime, tentando expulsar as mágoas que ainda guardo no coração…
Cheguei, então, à conclusão, que não segui a contento a prescrição de Cora Coralina. Embora livre de bagagens pesadas, meu coração está sobrecarregado de lembranças tristes que alteram o ritmo de seu pulsar.
É necessário que eu repita a receita da poetisa. Para ser vitoriosa nesta empreitada, é preciso uma catarse total. E mesmo que para isso tenha que verter muitas lágrimas, não desistirei! Tenho que expulsar as lembranças tristes para dar passagem às coisas boas.
Tenho que deixar de olhar a vida pela janela, pois a vida não é uma pintura que se admira na tela… A vida é mais do que isso: é sentir-me pintora, sentir-me dona das tintas e do pincer, mergulhar nas cores da paleta da natureza e pintar um quadro a cada dia, sem medo de ser viver e ser feliz.
Haverá telas registrando chuvas e tempestades, mas atrás de cada uma delas, sempre brilhará o sol!
Comungando ainda como o que disse a grande poetisa, “tem mais chão nos meus olhos do que cansaço nas minhas pernas, mais esperança nos meus passos do que tristeza nos meus ombros, mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça”. É tempo de ser feliz. Afinal, não tenho tristeza de estimação!