O soldado da Força Pública (PM) de Rio Claro Antonio Sérgio Ortiz, que lutou nas revoluções paulistas de 1924 e 1932, passa a ter sua memória recuperada com a localização do diário de guerra que ele registrou no cárcere de Ilha Grande (RJ), quando era prisioneiro das forças de Getúlio Vargas.
O documento faz parte do acervo do MUSEU HISTÓRICO E PEDAGÓGICO “AMADOR BUENO DA VEIGA”. Sua memória como ex-combatente de 1932 não é lembrada nem homenageada pela tradição porque seu nome não está nas conhecidas listas de voluntários locais. Por seu diário, ora divulgado, torna-se possível entender tal ausência.
Como soldado da cidade, ele seguiu para o fronte de luta por convocação da Força Pública, motivo pelo qual não há seu nome no livro de assinaturas de civis voluntários. Outros detalhes demandam pesquisas. Nascido em Pirassununga em 1896 e falecido em Rio Claro em 1960, Antonio Sérgio Ortiz, ou Nico para os familiares, entrou para a Força Pública na cidade de São Paulo em 1917. Até 1932, ele esteve baseado em Santa Cruz da Conceição, São Carlos, Araras, Ibitinga e Piracicaba.
Em Rio Claro foi policial quando a delegacia e cadeia estavam onde hoje é o Fórum, na Praça da Liberdade. Sua convocação para a luta em 1932 foi imediata, o que revela a prontidão da Força Pública no episódio. Deflagrada a guerra civil paulista em 9 de julho, já no dia 11 de julho Nico seguia para Itapetininga para dali ir combater em Itararé, na divisa entre os estados de São Paulo e Paraná. Ali ele chegou no dia 15, quando de Rio Claro a primeira turma de 59 voluntários seguia de trem para São Paulo, a partir de onde seriam distribuídos para diferentes frontes. Em Rio Claro foi policial quando a delegacia e cadeia estavam onde hoje é o Fórum, na Praça da Liberdade.
Sua convocação para a luta em 1932 foi imediata, o que revela a prontidão da Força Pública no episódio. Deflagrada a guerra civil paulista em 9 de julho, já no dia 11 de julho Nico seguia para Itapetininga para dali ir combater em Itararé, na divisa entre os estados de São Paulo e Paraná. Ali ele chegou no dia 15, quando de Rio Claro a primeira turma de 59 voluntários seguia de trem para São Paulo, a partir de onde seriam distribuídos para diferentes frontes.
Em Rio Claro, 483 se apresentaram como voluntários. Vários foram dispensados. Cinco morreram. Itararé, para onde seguiu Nico Ortiz, era local estratégico e um dos mais importantes na disputa de força entre os revolucionários e os governistas que vinham do sul do país. Os combates em Itararé têm versões controversas. Há referências de que paulistas teriam deixado o local, comprometendo a defesa. Seja como for, este não foi o caso de Nico Ortiz.
Ele e outros se mantiveram na luta de trincheiras até serem presos em combate pela Brigada do Rio Grande, no dia 18 de julho. De Itararé ele foi transferido para Ponta Grossa (PN). Do porto de Paranaguá foi embarcado para o Rio de Janeiro no navio Campos. No dia 18 de agosto se viu encarcerado na Ilha das Flores. Duas semanas depois, em 2 setembro, acabou transferido para a prisão de Ilha Grande. Ali ele irá ficar até a derrota final dos paulistas, no início de outubro. “Na Ilha Grande passei meu tormento”, registrou Nico Ortiz em seu diário, sem maiores detalhes.
Diz que um prisioneiro chamado Moisés o ajudou a registrar suas memórias. Ele registra seguidamente que sonhava com a mulher Lydia, os filhos e amigos de Rio Claro. Até então, ele tinha quatro fi lhos. Três deles nascidos na cidade e um em São Carlos. Depois teria mais dois. Nico Ortiz e seus companheiros de trincheira formaram a primeira turma de prisioneiros da Ilha das Flores, originalmente uma hospedaria de imigrantes. Pois, no dia 17de agosto, o diretor do local, coronel Valêncio de Oliveira Xavier, recebera de seus superiores ordem para adequar no local espaço a fi m de receber no dia seguinte, uma leva de prisioneiros paulistas. Seria a primeira turma. A turma de Nico.
Quanto à Ilha Grande é possível supor qual tenha sido o tormento a que se refere o soldado de Rio Claro. Não havia banheiro. Eram apenas seis chuveiros para quase mil prisioneiros. A comida era servida apodrecida e contaminada por ratos. Nico não fala sobre tortura, mas ali a prática era rotina. Dados sobre a violência na Ilha Grande são conhecidos por relatos de vários prisioneiros, entre eles Graciliano Ramos, ali encarcerado três anos depois de Nico.
Entre os prisioneiros famosos que ali estiveram em diferentes momentos podem ser destacados, Orígenes Lessa, Agildo Barata, André Torres, Flores da Cunha, Luiz Carlos Prestes, Nelson Rodrigues, Lúcio Flávio, Fernando Gabeira e Escadinha. Para a Ilha Grande não se ia para ser corrigido, mas para morrer. A masmorra era para isolar adversários do regime, exterminá-los lentamente até serem enterrados em vala comum. Nico sobreviveu.
O presídio foi desativado em 1944. Futuras pesquisas poderão esclarecer a participação do soldado de Rio Claro na Revolução Paulista de 1924. Em seu diário ele conta haver sido prisioneiro com revoltoso e depois solto como legalista. O levante de 1924 foi um evento militar paulista desencadeado em 5 de julho para derrubar o governo do presidente Artur Bernardes e modernizar o país. No episódio, a Força Pública foi linha de frente. Nela estava Nico Ortiz.
O fato dos levantes paulistas de 1924 e 1932 parecerem opostos em seus objetivos, um lutando pela modernização e o outro pela preservação do poder de São Paulo, apenas destaca a complexidade da política nacional nos anos 1920. Seja como for, o ponto em comum de ambos os movimentos esteve na defesa de São Paulo e na ação da Força Pública, pela qual Nico, de Rio Claro, lutou.
Por J. R. Sant’Ana
Bela matéria, parabéns.