Depois de passar 70 dias numa expedição científica na Antártida, o docente do Instituto de Geociências, Alessandro Batezelli, retornou às suas atividades na Unicamp no início de fevereiro. Na bagagem, trouxe confirmações científicas, materiais para estudo e exposição, além de muita vontade de compartilhar todo o aprendizado adquirido no continente gelado. O docente viajou a convite do paleontólogo do Museu Nacional do Rio de Janeiro, Alexander Kellner. O grupo coletou uma tonelada de fósseis e Batezelli descreveu toda a parte da geologia de Vega, ilha onde realizaram as pesquisas. Uma parte desse material deverá ficar no IG para exposição didática.
A ilha fica a 6 horas de distância de navio da estação brasileira e é um dos locais de mais difícil acesso na Antártida para fazer lançamento de acampamento, pois o caminho para chegar até lá pode exigir a quebra de gelo. No entanto, o local foi escolhido para as pesquisas porque é onde há rochas do cretáceo superior (com cerca de 80 milhões de anos), com ocorrências de fósseis de dinossauros, conchas, cefalópodes e troncos de árvores – todos de interesse do projeto. Esses fósseis estão em locais que, do ponto de vista geológico e estratigráfico, mostram como era a distribuição e o habitat dos organismos que existiam naquele local.
Batezelli ajudou na coleta de amostras, mas sua função era fazer a descrição geológica dos estratos e tentar avaliar se existia uma correlação entre os pontos de coleta. “Conseguimos comprovar que sim. Vimos claramente que onde existiam os fósseis era a mesma camada rochosa que circundava toda a área em que estávamos trabalhando”, destacou o docente. A equipe conseguiu identificar uma distribuição paleoecológica e paleoambiental bem marcada por esses seres. O grupo encontrou diversos fragmentos de ossos de dinossauro, como vértebras inteiras preservadas do Plesiossauro, um réptil marinho. A amostra vai ficar exposta no Museu Nacional.
A equipe foi de avião de Punta Arenas, no Chile, até a Antártida. Depois seguiram no navio Ari Rongel para a ilha Vega. Um helicóptero levou os pesquisadores do navio até o acampamento na ilha. Foram mais de 20 viagens de helicóptero para transportar as caixas com suprimentos. Havia gerador, fogão, um quadriciclo, combustível, barracas e mantimentos, como leite em pó, arroz, atum e sardinha em lata, feijão, chá, muita água, entre outros. À medida que as caixas chegavam, a equipe já ia se organizando e montando as barracas de apoio e as individuais. Dois geradores movidos a gasolina permitiram que o grupo não ficasse sem luz nas duas principais barracas – uma de convivência, onde ficava a cozinha, e outra onde ficava o “banheiro” e o depósito. Eles dormiam em barracas individuais.
O acampamento ficou bem próximo aos locais de exploração científica. O máximo que percorreram foram 18 Km. A cerca de 700 m das barracas havia um sítio no qual encontraram muitos fósseis. Essa ilha já havia sido explorada antes, pois fica próximo da base da Argentina – cerca de 60 Km. Uma outra equipe de pesquisadores do mesmo grupo de Batezelli acampou na ilha James Ross, que fica a 15 Km de Vega.
Isolamento
Dos 70 dias da expedição, 50 foram de total isolamento, com quase nenhum tipo de comunicação com o “mundo externo”. Não havia sinal de celular. O único meio de contato com a família foi através de um telefone satelital. Batezelli tinha apenas dois minutos por semana para falar com a esposa e a filha. Conseguia também mandar mensagens de texto, mas com um limite de 150 caracteres por vez.
Para não dizer que ficaram sem notícias do Brasil, o grupo conseguiu sintonizar uma emissora brasileira, a Rádio Nacional da Amazônia – EBC, de Brasília, através de um rádio de ondas curtas. A esposa do docente chegou a enviar mensagens para a Rádio, falando que a equipe de brasileiros os ouvia direto da Antártida. “Como foi um acontecimento diferente da nossa rotina, ficávamos na expectativa de ter notícias do Brasil. Com a tecnologia que a gente tem, um rádio simples daquele, com chiado, era nossa única fonte de notícia”, impressionou-se.
Baixas temperaturas
Os pesquisadores chegaram a ficar três ou quatro dias seguidos com neve, sem poder sair para exploração. A temperatura mínima foi -9°C, com sensação que chegou perto de -20°C por conta do vento. Mesmo com roupas apropriadas para o frio, nessas situações não havia o que fazer. Ficavam todos confinados nas barracas. Para o tempo passar, a saída era jogar xadrez ou assistir séries de TV baixadas no computador.
Para o docente, um dos piores momentos foi esse confinamento nos dias de tempo ruim. “Quando você está trabalhando, está se distraindo. Mas trabalhar nesse tipo de exposição é complicado porque num primeiro momento o organismo não sente nada, mas o frio vai minando a energia até chegar num determinando momento em que você se desidrata muito”, disse. O vento retira a umidade e causa o ressecamento da pele, dos lábios e das cutículas. “As vezes era preciso tirar a luva para realizar algum trabalho mais delicado. Uma exposição de 30 segundos no frio já era suficiente para começar a congelar”, relatou. Mesmo assim, o docente não teve problemas de saúde mais sérios. Apenas um ou dois episódios de leve dor de cabeça.
Perspectivas
O material coletado está embarcado no navio Ari Rongel, que retornará ao Brasil no final de março. A perspectiva é que as amostras cheguem em abril. O material será preparado pelos paleontólogos do Museu Nacional. As caixas que transportaram alimentos para o acampamento foram utilizadas para colocar os fósseis. De acordo com o docente do IG, após a chegada e desembarque do material começarão os processos de limpeza e descrição. Segundo Batezelli, hoje há técnicas para descrever amostras sem precisar cortá-la. Com uma tomografia, consegue-se, por exemplo, uma imagem 3D. “Pesquisas específicas identificarão de quais organismos esses ossos fazem parte e que organismos existiam naquela época. A partir daí, será feita uma descrição detalhada para identificar se era uma espécie existente ou se é uma nova”, esclareceu.
De volta pra casa
O retorno pelo estreito de Drake não foi fácil. O tempo estava bom, mas o navio balançava muito. Alessandro sentiu muita náusea durante as 48 horas entre a Antártida e a chegada ao sul do Chile. “Eu comia, bebia, tomava um remédio para náusea e voltava a deitar”, contou. Alessandro está assimilando tudo o que pesquisou. O grupo vai analisar que informações serão publicadas em artigos. Um novo projeto de exploração na Antártida acaba de ser aprovado pelo Programa PROANTAR e está em desenvolvimento. Em breve, ele pretende fazer duas palestras abertas ao público: uma para falar sobre as experiências do dia-a-dia, e outra mais científica, detalhando dados geológicos e paleontológicos coletados.
Batezelli registrou o momento em que deixa a ilha e segue para o navio, a caminho de casa.