O ano era 1880 e as famílias, por circunstâncias de sobrevivência, tiveram que deixar para trás toda vida que tiveram na Europa, seus berços, em busca de realizarem o maior sonho que ousaram sonhar, ter uma vida melhor.
Venderam seus pertences para juntarem recursos e partiram, com os corações explodindo de esperança. A viagem foi longa, desconfortante, enfrentaram todo tipo de intempéries, tempestades, doenças, alimentação precária, mas chegaram na terra tão almejada, o Brasil.
Por algum tempo permaneceram hospedados num local onde recebiam os imigrantes, até acertarem os partirem para a fazenda onde prestariam serviços. O Brasil havia acabado de libertar seus escravos, carecia de mão de obra para as lavouras, plantações de café, as famílias vieram para substituírem a mão de obra escrava.
A diferença era que tinham “liberdade” e salário, que era a troca do trabalho pelo alimento, que lhes era cobrado, e os deixavam “presos” aos patrões. Venderam para os imigrantes lá na Europa a ideia de que no Brasil teriam terra para cada família, que enriqueceriam, mas a realidade não foi bem assim.
Essas famílias sofreram muitos anos até conseguirem comprar um pedacinho de terra e poderem tirar dela o seu sustento, sem ficar preso a ninguém.
As famílias Moreno e Gomes, após passarem por todo esse processo, finalmente se estabeleceram em suas terras, tornando-se vizinhos. Seus filhos Salvador e Cecília se enamoraram e se casaram, tiveram oito filhos.
O ciclo repetiu -se com muito trabalho, após muitos anos conseguiram comprar um sitiozinho, onde plantavam frutas, verduras e dessa lida tiravam o sustento da família. O que não consumiam, vendiam na cidade e compravam o que necessitavam.
Seus filhos cresceram, sempre trabalhando na lavoura. Os três filhos do meio tinham o dom da música, aprenderam tocar sozinhos violino, violão, cavaquinho.
Na época era comum ter bailes nos sítios, eles sempre tocavam alegrando os jovens, era os rolês. As filhas cuidavam dos afazeres domésticos. A mãe sofria de uma doença que não sabiam o que era, não havia tratamento, em certos períodos ela não saía da cama, não fazia nada, hoje sabemos que é depressão.
Uma das filhas era especial, agora temos conhecimento que nasceu com síndrome de Down. A mais velha casou-se e mudou-se para uma cidade distante. A mais nova, caçula da família, era Maria, que era miúda, de olhos grandes, vivos, muito esperta. Ajudava cuidar dos sobrinhos que moravam na mesma casa.
Os filhos estudavam na escola numa fazenda próxima, onde a professora ensinava todas as séries na mesma sala e, ao mesmo tempo. Nessa escolinha se estudava até o quarto ano, depois tinha que ir para a cidade para prosseguir com os estudos.
Nessa época os meninos tinham a preferência dos pais para estudarem, as meninas precisavam apenas aprender um pouco a ler e fazer contas. Essa foi a maior tristeza da Maria que queria ser professora, mas infelizmente só estudou dois anos e não teve condições de prosseguir.
Assim era a vida deles, melhor que a que os seus pais tiveram, tinham comida, casa, um pedacinho de terra que podiam chamar de seu, viviam tranquilos, com muitas plantas, muita união na família, todos se ajudavam.
Certo dia o pai de Maria, como fazia todos os dias, foi cedo para mata cortar lenha acompanhado do seu fiel cachorro, o Duque.
Demorava para retornar quando Duque apareceu sozinho, preocupado um dos filhos foi procurá-lo e o encontrou caído no eucaliptal. Aproximou-se, verificou a respiração, o pulso, não tinha mais.
A vida acabara de lhes pregar uma peça, fechou as cortinas, tirou de cena aquele figurante tão importante para todos. A partir desse dia novas mudanças na vida da família: venderam aquela terra onde plantaram suas raízes e foram morar na cidade.
Os filhos mais velhos, já construindo novas famílias, se desprenderam do núcleo familiar raiz. Passaram a viver juntos à mãe, o filho solteiro, a filha especial e Maria.
Agora surgia a oportunidade para Maria estar e aprender numa escola, iniciou o curso de costura. O primeiro vestido importante que fez foi do seu casamento, a partir daí abraçou a profissão de costureira para a vida inteira.
Após o casamento teve três filhos, as dificuldades apareceram, através das costuras, começou a ter renda para ajudar nas despesas da casa.
Quando os filhos estavam maiores realizou seu antigo sonho, tornou-se professora de costura.
Maria venceu e eu também.
Terezinha Lorenzon nasceu em Rio Claro–SP. Bibliotecária. Atualmente, trilha os caminhos da literatura e da escrita. A Biblioterapia a ajudou nesse processo. É membro da Sociedade Vozes Literárias, vinculada à ALERC-SP. Escreveu este texto durante o curso de Escrita Criativa ministrado por Leci Generoso, que organizou o livro Coletânea de Contos – Vozes Criativas: Contos de um curso de escrita, que será lançado em 22 de fevereiro no Gabinete de Leitura.
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